Menos banho, mais consciência
Desde maio de 2014, o sistema Cantareira, responsável por abastecer 8,1 milhões de pessoas, operava com a chamada "reserva técnica". Trata-se de um reservatório abaixo das comportas das represas da Cantareira, que passou a ser utilizada para atender a população a partir do momento em que os níveis da represa ficaram criticamente baixos. Essa reserva técnica, também conhecida como "volume morto", fazia com que o sistema Cantareira operasse "no vermelho".
Dada a crítica situação da represa, o governo estadual insistiu para que a população diminuísse seu consumo de água. Dados da Kantar Ibope Media mostram que as campanhas do Governo de São Paulo pedindo a redução do uso de água alcançaram 16 milhões de habitantes apenas durante o primeiro semestre de 2015. "Esse número equivalente a 82% da população, sendo que cada indivíduo foi impactado por um comercial do governo sobre a crise da água em média 17 vezes”, comenta Rita Romero, diretora executiva do Monitor da Kantar IBOPE Media. (1)
Mesmo assim, a crise da água avançou, deixando a população com torneiras secas e períodos de não-abastecimento de água. A situação era ainda mais crítica entre os residentes da Grande São Paulo. Nessa região, 34% da população declarou sofrer diariamente com a falta de água, bem mais do que na Grande Rio de Janeiro (7%) e no Norte e Nordeste (6%), conforme pesquisa da Kantar Worldpanel.
Ainda que a seca fosse mais evidente na região metropolitana de São Paulo, o Brasil inteiro enfrentou uma crise hídrica: 45% dos brasileiros lidaram com falta de água em algum momento, 29% viram suas torneiras secas 2 vezes por semana e 7% disseram ter ficado sem água todos os dias da semana. As regiões mais periféricas e lares de baixa renda foram os que mais sofreram - dentre as classes D/E, 32% precisaram lidar com racionamento de água 2 vezes por semana, e em 12% o racionamento foi diário (2).
Atendendo ao insistente pedido do governo, e também devido à indisponibilidade de água nas suas residências, 77,5% dos brasileiros passaram a ajustar o consumo de água (3) e 70% passaram a tomar banhos mais curtos. Entre 2014 e 2015, a proporção de banhos de até 5 minutos aumentou bastante, chegando a responder por 38% da média de tempo gasto com uma chuveirada (2).
A frequência de banhos também foi afetada. Antes da crise hídrica, os brasileiros tomavam em média 2 ou mais banhos por dia. Agora, estão tomando 13,8 banhos por semana, ou cerca de 2 banhos a menos por semana. Entre os paulistanos, a média é ainda menor: 12,5 banhos por semana (2).
Com essa redução no tempo e na frequência de banhos, a Kantar Worldpanel também detectou uma queda no consumo de produtos de higiene. Houve queda no consumo de produtos usados para a lavagem dos cabelos, como shampoo e condicionador, e também do sabonete em barra. No mesmo período, houve também aumento no uso de desodorante, em especial o formato aerossol, já que ele ajuda a evitar a transpiração, refresca e protege por mais horas (4) “O consumidor se adaptou ao momento, buscando opções do mercado que permitissem superar o momento de crise com maior conforto possível”, explica Christine Pereira, diretora comercial da Kantar Worldpanel.
Economia e reuso
Além de restringir os banhos, o brasileiro tem evitado o desperdício e encontrado formas de reutilizar a água dentro de casa. Ainda que estejamos entre os países com grande hábito de escovação dental, 83,4% dos brasileiros garantem que nunca deixam a torneira aberta enquanto escovam os dentes (5). Os entrevistados pela Kantar Worldpanel e pelo IBOPE Inteligência, empresa associada à Kantar, também relataram estar tomando cuidado para usar a capacidade máxima das suas máquinas de lavar, evitando ou diminuindo a frequência de lavagens de quintais, carros e motos, bem como encontrando formas de reutilizar a água da casa, como a utilizada pela máquina de lavar.
Outra preocupação do brasileiro foi o de reduzir o consumo de energia elétrica. Como boa parte da energia do país é gerada em hidrelétricas, a conta de luz também aumentou, o que fez com que muita gente passasse a prestar mais atenção no consumo das suas casas e condomínios. Dentre os entrevistados, 69,9% disseram ter substituído as lâmpadas da sua casa por versões mais econômicas, como a lâmpada de LED, 52% alegaram redução no uso de eletrodomésticos e 51,2% tiraram aparelhos eletrônicos da tomada, para evitar o consumo de energia no modo "stand-by" (2).
Água no futuro
O que se pode depreender dos dados coletados é que as pessoas entendem que precisam mudar alguns comportamentos, mas elas também esperam apoio. Quando os paulistanos foram questionados pelo IBOPE Inteligência sobre quem seriam os responsáveis pela grave crise hídrica enfrentada pela cidade em 2015, 45% apontaram que quem deveria ser responsabilizado era o governo estadual, 19% acreditam que a Sabesp deveria tomar alguma atitude e apenas 10% vê a população como responsável pelo problema (6). A falta de chuvas, tida por especialistas como um dos principais fatores que ajudaram o sistema Cantareira a sair do vermelho, foi apontado como a causa do problema por 18% dos entrevistados.
Mesmo não se vendo como principais responsáveis por resolver a crise da água, os brasileiros estão fazendo o que podem para ajustar seus hábitos não desperdiçar água no seu cotidiano. No monitoramento global da nossa The Futures Company, 48% dos brasileiros declararam que levar um estilo de vida mais ambientalmente consciente é uma das suas prioridades, taxa maior do que a média global, de 45%. Além disso, 51% da população do Brasil declarou ter reduzido o consumo de recursos - como uso menos frequente de ar condicionado, apagar as luzes ou usar menos água -, taxa também maior que a média global, de 43% (7).
Ou seja, as atitudes do brasileiro estão mudando. Com a chegada de mais chuvas e a economia de recursos, a Cantareira finalmente saiu do volume morto em dezembro de 2015. Mas será que isso é o suficiente para garantir que continuaremos a ter água disponível no futuro?
Fonte: Kantar, Kantar IBOPE Media, Kantar Worldpanel, The Futures Company, IBOPE Inteligência