O consumidor ficou mais eficiente
“Existem acidentes de percurso na carreira. A minha carreira foi feita de muitos.” Formada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), com um curso extensivo em Assessoria de Imprensa, pela Faculdade Cândido Mendes, Patrícia Beber, country manager na Kantar Worldpanel Brasil, conta que chegou a tentar uma vaga na redação do Diário do Comércio (RJ), mas, depois de passar no teste, foi dispensada sob a alegação de que não tinha “perfil” para trabalhar naquela redação.
“Lembro-me de olhar para a redação e só ver homens.” Os que conhecem Patrícia dirão que o azar foi do jornalismo. “Fiz estágio na Editora Bloch, mas, ao escolher fazer faculdade em universidade paga, meus pais disseram: ‘Ok, pagamos a faculdade, mas todos os demais custos serão de sua responsabilidade’.” O estágio não pagava os demais custos e, com o curso de extensão em Assessoria, ela conseguiu uma vaga como assessora de comunicação no Ibope, empresa que há dois anos foi comprada pela Kantar.
“Os números entraram na minha vida, gostava muito de ver como se transformavam. Fascinou-me como uma amostra estatística ganhava vida ao cumprir papel efetivo para o alcance de um objetivo. Comecei a trabalhar com pesquisa na área de opinião pública e política no Ao chegar a Lisboa, saiu do aeroporto diretamente à empresa, para pegar a chave do apartamento da amiga, onde ficaria hospedada até se estabelecer.
“Quem abriu a porta da empresa, para mim, foi um rapaz lindo, com quem estou casada até hoje... Em resumo, não voltei para o Brasil seis meses depois, fiquei por lá, lá me casaria, teria um filho e me desenvolveria em painel de consumidores, algo sobre o que, até aquele momento, nada sabia.” Patrícia diz que a descoberta do mundo dos painéis de consumidores foi diferente do que tinha experimentado em política. “Começamos do zero a empresa.
Eu fui uma espécie de coringa, atuando com um pouco de tudo: operacional, comercial. Foi ótimo. É muito bonito começar algo do zero e vê-lo dar resultados.”
Esse, contudo, não seria o maior dos desafios vividos por Patrícia em sua trajetória profissional. Depois da experiência na sociedade que daria luz à Worldpanel, ela voltou para o Brasil, para o braço latino da companhia, a LatinPanel, onde ficou de 1994 a 1999.
“Meu marido não se adaptou ao País e resolvemos voltar à Europa.” Em Portugal, passou pelas empresas Indicator e Marktest, onde trabalhou com audiência de mídia. “Outro mundo, bem interessante também.” Em 2015, regressou aos painéis de consumidores da Worldpanel. “Fui convidada para remodelar o painel que havia ajudado a estruturar quando cheguei, pela primeira vez, à Europa. Ele estava, dez anos depois, igual. Cheguei como diretora de Projetos e a principal missão era passar a apuração de dados do papel para o escâner. Minha tarefa era mostrar, ao cliente, o ganho que a mudança traria.”
Patrícia diz que foi desafiador, mas não lhe deu medo. “Tive medo, mesmo, quando, ao final desse trabalho, me convidaram para dirigir a empresa. Sempre fui muito operacional, não era do administrativo e o convite não estava entre os cenários em que havia pensado. Não imaginei que me colocariam para conduzir a operação, que ainda era deficitária. À frente da empresa, minha missão era torná-la superavitária.”
Ela encarou. “Não tive dificuldade em conquistar a equipe, que me respeitava porque sabia que eu era capaz de arregaçar as mangas e colocar a mão na massa. Difícil foi a minha relação com o mercado: muito machista. De qualquer forma, foi muito bonito e a gente reverteu a situação da empresa.” Em 2009, a operação dava lucro.
“Saí muito realizada da função.” Patrícia foi para Barcelona, assumir a Direção de Projetos Estratégicos e Expert Solutions da Kantar Worldpanel na Ibéria.
“Expert Solutions consiste em pegar dados regulares do painel de consumidores, lançar, a eles, um olhar diferente, fundi-los a outros dados disponíveis na empresa, como da Kantar Media, e obter informações relevantes aos nossos clientes. Por exemplo: o impacto que ações de marketing em mídias têm sobre as vendas na loja. Fui para lá, entre outras coisas, para desenvolver esse tipo de trabalho.”
Mas, em 2012, o filho de Patrícia resolveu fazer faculdade no Brasil. “Ele veio em 2013. Eu não aguentei ficar longe. Consegui voltar ao Brasil [com o marido] como diretora de Expert Solutions para a América Latina. Comecei em 2014; minha missão era implantar o portfólio de Expert Solutions, no continente, em três anos.” No fi m de 2015, contudo, o então country manager da Kantar no Brasil deixou a empresa. “Fui convidada para substituí-lo e, na última semana de fevereiro de 2016, assumi a função.”
Você falou sobre o desafio que foi conduzir a operação em Portugal. E o atual?
É enorme também, sobretudo pelo momento do País. Mas a dificuldade só fortalece. Eu fui para Barcelona em 2008 e fiquei lá até julho de 2013, quando voltei para a América Latina. Eu cheguei à Espanha no ano em que a crise eclodiu e vivi lá durante quase todo o período de crise.
Qual é sua grande missão à frente da Kantar Worldpanel no Brasil?
Entender como podemos ajudar nossos clientes a crescerem nos próximos cinco anos e como eles podem investir corretamente hoje, um momento difícil, para, daqui cinco anos, estarem na melhor condição possível. Temos de pensar bastante a médio e longo prazo e esse é meu grande desafio, fazer com que essa equipe pense estrategicamente. Ok, temos de pensar no hoje, vivê-lo e garantir o melhor possível, mas isso não pode nunca significar o sacrifício do amanhã. Esse é o meu grande desafio. Embora a Kantar tenha uma base de clientes muito fiel e robusta, o momento é duro e, nessas situações, pessoas e corporações tendem a pensar a curto prazo. Temos de lançar o olhar além, senão, cometeremos erros.
É possível enxergar o presente como uma fase de mudanças profundas e positivas para o País a longo prazo?
Estamos crescendo, amadurecendo como democracia e isso dói. Não há crescimento sem dor. É verdade que o Brasil está em um túnel e que, quando esse túnel acaba, vem outro logo na sequência? Sim. Está difícil encontrar a saída e ela só será encontrada quando elegermos nosso novo presidente. Antes disso, o cenário escuro não muda. Essa é a minha opinião.
A partir de 2018, o Brasil voltará a saber para onde vai e o mercado de consumo voltará a crescer?
Acho que voltaremos a saber para onde vamos, mas é impossível exigir que nosso mercado de consumo alcance o mesmo crescimento obtido na primeira década deste século. O crescimento será lento. Basta vermos o crescimento médio do PIB mundial, que fica na casa de 1,5% e 1,7%. Qual é o crescimento dos bens de grande consumo, indústria na qual eu atuo? Menos do que o PIB global. Não dá para esperar que um País, em amadurecimento, cresça muito mais do que economias maduras.
Vamos voltar a crescer, mas será um crescimento lento que exigirá das empresas e das pessoas maior eficiência para aproveitá-lo.
Essa eficiência é difícil de ser alcançada?
Temos uma geração que se acostumou à bonança, que não viveu o período anterior ao Plano Real, que não chegou ao supermercado e teve de usar uma moeda transitória, fazer cálculo de conversão do cruzeiro para a URV [Unidade Real de Valor] conforme o dia, enfim. Essa é uma geração pouco eficiente, mas que precisará aprender a ser no novo cenário, em que o crescimento será de 2% a 3%. Por outro lado, será uma expansão muito mais consistente do que a vista na primeira década do século. O fato é que aquele crescimento se mostrou uma bolha, que arrebentou. Quando tem consistência, crescer devagar não é ruim.
A crise já vai para três anos. O consumidor ficou mais eficiente nesse período?
Sim e foi possível verificar a partir de 2016. Quando a crise estourou, no fim de 2014, estendendo-se por 2015, o consumidor congelou, parou de consumir muita coisa, passou para o mais barato e abriu mão de categorias. Em 2016, a economia não melhorou, mas o consumidor se mostrou mais eficiente. Ele abriu mão de algumas indulgências, mas voltou a consumir categorias e marcas que lhe trazem benefício extra. Ou seja, sinal claro de que a crise começou a fazer com que tornasse suas compras mais eficientes. Em minha opinião, cada vez mais, o cenário tornará o consumidor mais eficiente e as marcas terão de atender, com preço baixo, a alta exigência deles. Ele sabe o que é bom, mas não joga dinheiro fora. Por exemplo, deixou de comer fora, como vinha fazendo nos últimos anos, mas passou a adquirir itens premium para realizar eventos com os amigos em sua própria casa: cerveja especial, carne diferente... Ele investiu no consumo no lar. Hoje, é possível dizer que o consumidor de bens de grande consumo é um investidor. Ele não compra, ele investe, porque avalia os produtos com base em suas experiências anteriores.
Nós temos um estudo que se chama Brand Footprint, que mostra as marcas mais escolhidas no ponto de venda e, no Brasil, as que mais cresceram são as que revelam bom custo-benefício. Um exemplo, na linha lava-roupa, foi Brilhante, uma das que mais subiram neste ranking; não é a marca mais cara, nem a mais barata, mas, na visão do consumidor, entrega os mesmos benefícios da mais cara.
Outro exemplo é Tresemmé, marca de cuidado com o cabelo que oferece, ao consumidor, a opção de tratar seu cabelo com produtos profissionais em casa, é o cabeleireiro dentro de casa, já que não é mais possível ir com a mesma frequência de antes ao cabeleireiro.
Dá para dizer que o consumidor brasileiro nunca esteve tão bem educado?
Sim, foi educado na marra. Aprendeu o que era bom, no período de fartura, e, agora, está aprendendo o que e como priorizar, já que não dá para ter o que tinha antes. Realmente, ao consumirem alguns produtos de qualidade e benéficos, o consumidor passou a não querer mais abrir mão deles. Porém, hoje, faz isso de forma bem mais racional do que antes.
Você disse que seu grande desafio é entregar, ao cliente, o que ele precisa para crescer pelos próximos cinco anos. Que exemplos você pode dar de ações para superar esse desafio?
Nós temos uma equipe de client services que entende o negócio do cliente. Hoje, não entregamos a informação para o cliente, minha equipe de client services tem o dever de entregar insights e recomendações. Nós construímos, com ele, a solução para os problemas que tem. Temos de entender muito bem a estratégia do cliente para, a partir da análise dos dados, poder fazer recomendações boas e acionáveis. Não podemos dizer a ele que é necessário aumentar o tamanho de gôndola no Carrefour. Não é tão simples fazer isso. Então, dentro das possibilidades, encontramos uma saída viável e inteligente para ajudá-lo a crescer. Nós temos uma equipe muito capaz, que passa muito tempo dentro do escritório do cliente. É um trabalho difícil, é preciso ter coragem para dizer, ao cliente, o que precisa ser dito. Às vezes, isso significa contrariá-lo num primeiro momento, o que só é possível com conhecimento e alguma intimidade.
É a ideia de gerar conhecimento pela interação...
Sim. É o que chamamos de work inside. Estamos dentro da casa do cliente, conversando o tempo todo. Não adianta eu ter uma ideia fantástica que não caiba na estratégia da empresa.
Tem dado resultado?
Nossa empresa não abre números, mas posso dizer que, pela situação econômica, estamos bem. O mercado está difícil, mas, quando vejo o que ocorre com o setor, sinto-me numa situação privilegiada. A verdade é que também não paramos. Estamos desenvolvendo o Expert Solutions na América Latina e no Brasil. Como disse, não é novidade na Europa, mas aqui é. Há também o Link React, que consiste em voltar a alguns lares do painel quando as pesquisas detectam o abandono de uma categoria. Voltamos com a finalidade de entender a alteração detectada. Nesse caso, as razões do abandono são classificadas e o diagnóstico é levado aos nossos clientes impactados para que se possa encontrar solução e trazer o consumidor de volta. Isso também já roda lá fora e nós lançamos no Brasil em junho.
Ou seja, com muito trabalho e o encontro com a estabilidade política, já num cenário diferente, voltaremos a crescer de forma consistente?
Eu acho que estamos ficando mais conscientes do momento que estamos vivendo no País e vamos saber viver melhor em uma nova realidade. Se fosse resumir, numa linha cronológica, em 2015, nós nos assustamos, em 2016, entendemos, em 2017, temos consciência de que será assim até o fim de 2018 e, em 2019, começamos a escrever uma história nova.
Fonte: Abras (http://www.abrasnet.com.br/superhiper/superhiper/ultima-edicao/destaque/)