Bolachas: até os velhos hábitos podem mudar
> Artigo original publicado na Hipersuper
Muitas são as categorias de produtos que procuram estar presentes em todos os lares portugueses, mas poucas são bem-sucedidas nesta árdua tarefa. As bolachas estão entre aquelas que o conseguem fazer. A verdade é que quando falamos em bolachas, estamos a falar da quarta categoria comprada por mais portugueses, apenas ultrapassada pelas frutas, legumes e queijo, e que fica à frente de outros produtos que estão muito enraizados na alimentação portuguesa, como o leite, a carne, os iogurtes ou as massas. O que torna as bolachas ainda mais interessantes, é o facto de não serem compradas apenas de forma esporádica: na verdade, compramo-las tantas vezes quanto o leite ou as massas, isto é, mais de uma vez por mês. E não é tudo... pois estamos na presença de uma categoria de alto valor acrescentado para as fabricantes, ao representar 3% de todo o valor gerado por produtos de alimentação no último ano.
No entanto, mesmo numa categoria tão grande quanto a das bolachas, as mudanças nas prioridades alimentares dos portugueses trouxeram desafios que não se colocavam até há poucos anos atrás.
Sendo muito associadas ao snacking (20% das ocasiões de consumo ocorrem ao lanche da tarde, 20% no pós-jantar, e 17% ao lanche da manhã), houve, nos últimos anos, uma mudança comportamental notória - e para a qual as marcas muito lutaram ao introduzirem novos produtos no mercado – que tornaram o pequeno-almoço como o momento do dia por excelência para o consumo de bolachas (30% das ocasiões de consumo).
Ainda assim, o crescimento do segmento de bolachas específicas para o pequeno-almoço, deve ser olhado com cautela. O seu valor cresceu 20% em apenas quatro anos e neste momento está presente nas dispensas de 36% dos lares portugueses, mas enquanto que existem cada vez mais jovens com filhos a comprar este segmento, os compradores mais maduros demonstram que os seus hábitos de consumo são mais difíceis de mudar e, mesmo tendo experimentado este tipo de bolachas, foram os que mais deixaram de as comprar no último ano.
Na verdade, foram aproximadamente 50 mil os lares portugueses maduros que abdicaram do segmento inovador das bolachas de pequeno-almoço nos últimos 12 meses. Mas isto não significa que estes compradores tenham deixado de ser interessantes para as marcas. Simplemente existe uma necessidade cada vez maior de saber segmentar o mercado e perceber com que mensagem e produto cativar diferentes tipo de compradores. No caso destes lares maduros que já experimentaram as mais recentes inovações do mercado, no último ano a sua escolha voltou a pender muito mais para os segmentos tradicionais e mais gulosos (+19 mil compraram waffers e +18 mil compraram palmiers) do que para os segmentos saudáveis. É caso para dizer que alguns hábitos não mudam.
Mas a pressão do mercado em criar novos hábitos não vem apenas da própria categoria de bolachas. A pressão externa de novos produtos saudáveis, como os cereais e bebidas de aveia, os cereais de granola ou os iogurtes biológicos conquistam cada vez mais compradores e as bolachas terão que lutar cada vez mais para manter o seu espaço nas cestas dos portugueses. Ainda assim, não se adivinha que tão cedo os portugueses abdiquem por completo da categoria, mas é certo que estão a mudar a forma como as consomem, escolhendo-as menos vezes para as suas refeições.
A grande dificuldade das bolachas atualmente, passa por contrariar a menor quantidade que cada comprador está a adquirir ano após ano. Desde 2015, cada lar português tem vindo a reduzir em média 2,4% na quantidade de bolachas que compra anualmente. É uma redução de 1kg em apenas 3 anos, o equivalente a abdicarmos a cada novo ano de mais 1 embalagem típica de bolachas Maria.
Chegou portanto o momento da categoria se renovar, dando aos consumidores aquilo que procuram, com o objetivo de travar a redução do consumo, através de produtos inovadores, que sejam compatíveis com o estilo de vida mais saudável que os portugueses vão progressivamente adotando. É nesta linha que vemos os novos segmentos aparecer e crescer: as bolachas sem açúcar, sem sal, sem glúten, etc., têm em comum o poder de fazer face a cada um dos desafios da categoria. Em primeiro lugar, porque são estes os segmentos que evitam o abandono da categoria. Em segundo, porque estão desenhados para aproveitar ao máximo cada momento de consumo, potenciando cada vez mais a conveniência exigida pelos portugueses, através de formatos mais adaptados ao consumo on-the-go. Em terceiro lugar, porque com receitas mais saudáveis, estão mais aptos a evitar as progressivas taxas e impostos que certamente continuarão a surgir. E por fim, porque se tratam de segmentos de valor acrescentado, transacionados a preços mais elevados, mas com uma maior perceção de valor por parte dos compradores.
Na verdade, os segmentos inovadores - mais saudáveis - já representam mais de 1/4 de todo o volume de bolachas comercializado anualmente, sendo que esta quantidade corresponde a quase 35% de todo o valor gerado pela categoria, ganhando terreno em relação aos segmentos tradicionais.
O caminho que tem (e que está a) ser percorrido pelas marcas neste mercado encontra-se bem definido, no entanto, o trabalho feito até ao momento ainda não é suficiente, pois os ganhos dos segmentos saudáveis não compensam as perdas dos segmentos tradicionais. As promoções não garantem o crescimento da categoria (o número de ocasiões em que compramos bolachas em promoção aumentou 42% nos ultimos 3 anos, e ainda assim a categoria caiu 6% em volume durante o mesmo período). Aliar a inovação aos hábitos mais antigos dos portugueses, trazendo receitas mais saudáveis às bolachas tradicionais que fazem parte da nossa alimentação, poderá evitar a canibalização dentro da categoria, expandi-la com valor acrescentado a mais compradores, e assim, formar uma boa estratégia para que ao fim de mais de meia década a categoria de bolachas possa voltar a crescer.