Fim da crise em Higiene e Beleza
Artigo original publicado na Hipersuper
O mercado de Higiene e Beleza (H&B) tem estado em alvoroço desde o início de 2020, primeiro com a crise pandémica, depois com a crise inflacionista. Enquanto que para a maioria dos setores em Fast Moving Consumer Goods (FMCG) o início da década foi de grande expansão no que toca ao abastecimento das despensas dos lares portugueses, H&B nunca beneficiou da mesma forma e acumulou perdas significativas em volume e valor entre 2020 e 2022. O semestre inicial de 2023 veio trazer os primeiros rasgos de otimismo ao setor, com um inédito crescimento simultâneo de valor e volume, algo que não se verificava desde o início da pandemia. Mas só no final do ano pudemos afirmar com confiança que finalmente a crise de H&B passou a fazer parte do passado. Em 2023, H&B transacionou mais 8 milhões de unidades face a 2019 e gerou mais 9 milhões de euros em receita do que nesse mesmo ano. Com recuperação de compradores, mais regularidade e intensidade de compra, o setor transpira agora mais otimismo no que diz respeito à procura das várias categorias de H&B por parte dos portugueses, no entanto, isso não significa que todos os players da indústria tenham já caminho aberto para crescer.
Na verdade, a recuperação a que se assistiu no último ano foi baseada em novos pilares que não faziam parte da equação antes do início desta década. Em primeiro lugar está a sensibilidade ao preço: o mercado cresceu porque, contrariamente a outros setores do FMCG, em H&B os compradores conseguem ativamente encontrar opções que os ajudam a contornar os preços mais altos que continuam a ser praticados. Este movimento foi visível em mais de 60% das categorias vendidas, incidindo principalmente naquelas que tendem a ter preços de entrada mais elevados, como os produtos de Cuidado e de Beleza e menos nas categorias mais básicas como as de Higiene. Esta oferta menos dispendiosa está a ser promovida pelos players emergentes do retalho que operam em Sortido Curto, com alto foco na sua marca própria (MDD) e sem esse contributo o mercado continuaria a não crescer. É caso para dizer que foi o Sortido Curto quem retirou H&B da crise e, nesse sentido, todos os intervenientes da indústria devem saber posicionar-se perante esta nova realidade que traz novos desafios.
O primeiro eixo de posicionamento deve passar sempre pelo portefólio de cada fabricante e sobre aquilo em que cada um é forte. Não apenas numa ótica de produtos individualizados, mas sim numa ótica de gama, que permita estimular interações entre várias categorias. A verdade é que este primeiro passo ainda é uma realidade distante para muitos fabricantes. Seria expectável que fabricantes com grandes portefólios conseguissem encontrar mais sinergias dentro dos vários produtos que disponibilizam, de forma a levar uma maior fatia deles a cada comprador. Infelizmente, isto ainda não está a acontecer. Atualmente, os fabricantes mais pequenos colocam nas cestas dos seus compradores uma parte tão grande do seu portefólio quanto os fabricantes maiores. Mas como inverter esta situação?
A resposta deve passar inicialmente pela descoberta de quais as categorias que estão a ser mais procuradas, e posteriormente criar ligações entre estas a outros produtos estratégicos do portefólio do fabricante, tanto por via de comunicação, como de brandings mais aproximados, ou de cross-selling em loja. Por exemplo, em 2023 o mercado de H&B foi principalmente movido por produtos de Cuidado do corpo e rosto. Entre algumas das principais combinações de categorias de maior valor acrescentado feitas pelos portugueses durante o ano destacaram-se: Cuidado do Rosto + Maquilhagem e Creme de Corpo + Maquilhagem. Depois de identificadas estas combinações de produtos é determinante saber quem foram os compradores que mais as procuraram. Neste caso específico, foram compradores mais maduros e com maior poder de compra, que recorreram a lojas do canal especializado, mas também ao retalho de Sortido Curto, para fazer estas compras. Desde logo é possível detetar uma clara oportunidade de rejuvenescer e democratizar a rotina de beleza associada a estes produtos, e em simultâneo expandir os locais onde os mesmos podem ser comprados, por exemplo, para os retalhistas de Sortido Amplo (os hipers e supermercados com oferta mais diversificada entre marca de fabricante e marca própria). Na verdade, pensando numa ótica de retalho, este será mesmo um desafio determinante para os players do Sortido Amplo no decorrer deste ano. Em 2023, este canal deixou “escapar” metade do gasto dos seus compradores em H&B para outros canais concorrentes e isso custou-lhe um quebra superior a -2pp de quota em valor em apenas um ano.
Do lado oposto da medalha observou-se, também em 2023, um caso de sucesso para o canal das Perfumarias, que passou por desafios duros desde o início da década. Em 2023 as Perfumarias voltaram a ganhar compradores e recuperaram quota de mercado em simultâneo, num momento em que o seu preço reduziu mais do que em qualquer outro canal de compra. Mas desengane-se o leitor, se estiver a pensar que neste momento só é possível crescer no curto prazo, destruindo valor a médio/longo prazo. As Perfumarias apresentaram efetivamente propostas de preço mais apelativas para os portugueses, mas esse movimento aconteceu fora daquilo que é o seu sortido principal (Perfumes e Maquilhagem). Com isto, conseguiram fazer face àquilo que são os desafios de 2024: atrair mais compradores para o canal, potenciando um sortido mais abrangente, como verificado pelo recrutamento de compradores em Creme de Rosto e de Corpo, ao mesmo tempo que conseguiram democratizar e rejuvenescer a sua base de compradores, fortalecendo-a para o futuro.
O ano de 2024 trata-se um ano com desafios renovados, que exigem cuidados reforçados, principalmente no que diz respeito à potenciação mais abrangente dos portefólios. Cada player deve estar consciente das sinergias que pode encontrar dentro da sua oferta, em que canais faz mais sentido vendê-la, e perceber quem são os compradores que mais facilmente os podem ajudar a alcançar esse objetivo. Cada realidade exigirá respostas diferentes e a Kantar pode ajudá-lo(a) a obtê-las.