Nem tudo a pandemia levou em Higiene e Beleza?
Artigo original publicado na Hipersuper
A última década foi um carrossel de emoções no mundo de Higiene e Beleza (H&B). Com o país a sair da crise financeira, as marcas perceberam que para crescer neste mercado não bastava chegar a mais compradores. Esses compradores teriam que ganhar uma nova rotina mais completa de H&B e comprar mais produtos de categorias distintas. Com estas mudanças que progressivamente foram ganhando força entre os portugueses, em 2018 a Kantar lançou a pergunta: “Será a beleza cada vez mais importante?”. Na altura os dados revelaram que 75% dos portugueses consideravam que deveriam dedicar mais tempo a cuidar de si, um incremento de mais de 100 mil indivíduos face a 2015. No entanto, também revelaram que a saúde da sua pele era o aspeto em que mais a sua preocupação tinha aumentado naqueles três anos. Apesar de haver um maior desejo por cuidarem mais de si mesmos, o facto de a sua prioridade residir cada vez mais em produtos – mais caro – para a saúde da pele, acabava por limitar a compra de outras categorias, tornando a sua compra mais seletiva.
Progressivamente, com o decorrer de 2018 e 2019, a normalização destes produtos mais especializados nas rotinas dos portugueses começou a dar frutos e H&B passou a registar novos recordes de vendas neste período. Até que chegou a Covid-19, interrompendo o ciclo de crescimento deste mercado, precisamente no momento em que se encontrava mais saudável, e gerando em 2020 perdas na ordem dos €33 milhões, face às vendas de 2019. Os compradores passaram a comprar menos vezes e a gastar menos em cada compra, uma vez que o seu sortido voltou a abandonar categorias de valor acrescentado, como Maquilhagem, Perfumes, Protetores Solares ou Cremes de Rosto, para se passar a concentrar mais nas categorias de Higiene, como Sabonetes, Gel de Banho ou Shampoo.
O trabalho desenvolvido pelas marcas ao longo dos últimos anos, no sentido de levar cada comprador a investir em mais categorias, foi posto em causa. Em 2020 tornou-se mais clara a discrepância socioeconómica entre compradores com menor nível de rendimento, que foram obrigados a fazer mais escolhas e a comprar uma menor variedade de produtos, e os compradores com mais rendimentos, que mantiveram as suas cestas completas de H&B.
No entanto, numa altura difícil para este mercado, é preciso saber olhar para as oportunidades e perceber, dentro do contexto atual, quais as dinâmicas que foram menos afetadas, e que poderão continuar a gerar valor no futuro. A verdade é que nem tudo a pandemia levou...
O que não levou a pandemia?
A importância do comprador masculino em H&B manteve-se intacta. Dentro do grupo de portugueses que fazem cestas mais completas de H&B, um em cada quatro são homens. Se em 2016 estes homens representavam 9% de todo o valor gerado no mercado, em 2020 já valem 12%. Um impacto demasiado importante para ser ignorado, mas que ainda tem potencial para ser trabalhado. Quando olhamos para o carrinho de compras destes homens, percebemos que continua a conter fundamentalmente produtos de Higiene e menos Tratamentos. Existe uma oportunidade de especialização.
A pandemia também não levou o fenómeno das marcas da distribuição (MDD). Contrariamente às marcas de fabricante (MDF), as MDD não só conseguiram continuar a ganhar compradores em 2020, como também cresceram 10% em valor, o que as coloca, à entrada desta nova crise, na sua melhor posição de sempre face às MDF. O seu crescimento não assenta num grupo específico de categorias em que têm estado muito fortes, mas sim na capacidade que têm tido no longo prazo de ganhar novos compradores de forma consistente em mais de 90% das categorias.
Por fim, o que não foi levado pela pandemia, mas sim, antes pelo contrário, trazido ou fortemente reforçado pela mesma, foram as vendas Online. Após vários trimestres de estabilidade ao nível do número de indivíduos que compraram H&B neste canal ao longo de 2019, o crescimento foi imediato após o primeiro confinamento em 2020. O canal Online em H&B chegou ao final do ano com +26% de compradores face ao registado em 2019. Compradores que também trazem consigo uma intensidade de compra superior, tanto ao nível da regularidade como do número de produtos comprados, relativamente àquilo que era a média do canal no pré-covid. O canal Online tem deste modo feito face às necessidades dos portugueses, não apenas na compra de produtos de Higiene, mas também, cada vez mais, em categorias de valor acrescentado, como Perfumes, Cremes de Corpo ou Máscaras de Cabelo. Em acréscimo, é ainda um canal bastante atrativo para o comprador masculino, anteriormente mencionado. O Online é, neste momento, responsável por uma fatia maior do budget masculino para H&B do que do feminino.
O que aí vem?
2021 continuará a sujeitar os intervenientes do mercado de H&B a constantes desafios. O ano ainda vai no início, mas em grande parte do que já dele vivemos, as restrições à mobilidade estiveram presentes. É uma realidade que não afeta todas as marcas por igual. Os canais de venda especializados acumularam semanas de portas fechadas, o que não ajuda a equilibrar as perdas sentidas em 2020. No ano passado as Farmácias, Perfumarias, Catálogo e Lojas Monomarca tiveram todos perdas de valor de duplo dígito em H&B.
Se ao longo da última década, o trabalho das marcas foi o estímulo à duplicação entre categorias, à entrada dos novos anos 20 deverão acrescentar um novo desafio àquele que já tinham anteriormente: o incremento da duplicação entre canais. Estar presente em mais canais incrementa a probabilidade de manter os pontos de contacto com os compradores, a base para o crescimento sustentado.