O elefante no meio da sala
Fazer a análise do que aconteceu ao mercado de FMCG em 2021 e antecipar o que poderá ser 2022, tanto em Portugal como no resto do mundo, apresenta vários desafios. Por um lado, é verdade que 2021 foi um ano de reequilíbrio, em que o mercado esteve gradualmente a devolver à restauração grande parte do crescimento de que tinha beneficiado em 2020. Mas não podemos ignorar que o setor continua a beneficiar de fatores que o mantêm bastante acima do nível em que estava em 2019 ou em anos anteriores. Mesmo descontando o fator inflacionário, responsável por uma boa parte do crescimento em valor face a 2019, estamos perante um mercado de maior volume. O que sustenta este volume incremental neste momento é, principalmente, o teletrabalho e a persistência de alguns hábitos mais caseiros, que nos levam a precisar de mais produtos para consumo dentro do lar.
Mas 2022 traz muitas incógnitas. Desde logo, não sabemos se estes fatores se vão manter em 2022. Por outro lado, há uma grande incerteza quanto ao efeito da subida de preços e qual a arbitragem que fará o comprador para gerir o seu orçamento. Também não podemos afirmar com certeza se o e-commerce irá continuar a trajetória de crescimento ao ritmo acelerado dos últimos dois anos, uma vez que já se nota um certo “cansaço digital” por parte de certos grupos da população (paradoxalmente, nos mais jovens). E, mesmo que permaneçamos mais em casa, sabemos que está instalada uma fadiga em relação à pandemia e que temos uma crescente necessidade de convenience, que nos pode levar a priorizar de tal forma soluções como a do Meal delivery ou take-away, ao ponto que o nosso carrinho de supermercado voltar a ficar mais vazio.
Como sempre, o nosso melhor aliado para exercícios de previsão é analisar não as forças conjunturais – muito voláteis e particularmente difíceis de apreender nos tempos que correm – mas sim as forças estruturais que movem o mercado.
De todas estas forças, existe uma a que o mercado tem estado, como um todo, bastante desatento, mas que é fundamental compreender e encarar – não podemos continuar a ignorar o elefante no meio da sala. É o fenómeno de perda de atos de compra e perda de cestas no mercado. Todos se familiarizaram com este comportamento durante a pandemia uma vez que, principalmente no início e nos momentos de maiores restrições, fazíamos tudo para ir às compras, o menor número de vezes possível. Mas o fenómeno não é de todo novo. Na Kantar, estimamos através do nosso painel de lares que desde 2014 se tenham perdido, de forma gradual ao longo dos anos, cerca de 8% dos atos de compra por lar nos hipers e super físicos – o que corresponde a 13 milhões de cestas destruídas ao longo deste tempo. E o crescimento de outros canais, como o Online, não vem compensar esta perda. Pelo contrário, o Online é um canal de compras grandes, mas pouco regulares. A pandemia veio agudizar esta tendência, impactando principalmente o grupo mais regular nas compras, os seniores, que em 2021 realizaram menos 11 atos de compra por ano do que 2019.
O crescimento do mercado que observamos comparando 2021 com 2019 é, de facto, todo ele baseado numa cesta mais volumosa, uma vez que a frequência de compra se manteve estável – embora até essa estabilidade seja enganadora uma vez que ela só acontece via novos atos de compra na Mercadona, uma insígnia nova que cria novas cestas de “experimentação”, sem (ainda) destruir por completo cestas nos concorrentes. Sem a Mercadona, teríamos em 2021 menos atos de compra do que em 2019, apesar de precisarmos de levar mais produtos para consumo dentro de casa.
Aquilo que vemos acontecer de forma inconsciente ao estudarmos o comportamento de compra real dos lares portugueses está diretamente relacionado com aquilo que esses mesmos lares declaram de forma consciente: quase 7 em 10 responsáveis pelas compras do lar em Portugal nos dizem que querem dedicar o menor tempo possível a fazer compras. O novo cliente de retalho alimentar, seja no canal físico seja no digital, procura maximizar a sua equação de eficiência que passa por conseguir encher a cesta com os produtos que vão cobrir as suas necessidades, de forma rápida e de uma só vez num mesmo local. É por esta razão que as cestas de compra em que estão presentes produtos de quatro ou mais secções da loja tem crescido nos últimos quatro anos, face a cestas mono ou bi-categorias.
Se esta equação de eficiência traz várias oportunidades para os retalhistas, a verdade é que também impõe vários desafios. De facto, a intenção do cliente de maximizar o seu tempo não o torna forçosamente mais fiel a uma insígnia, uma vez que este comprador pragmático também tem cada vez mais consciência de que alguns retalhistas respondem melhor a certas necessidades do que outros e não hesita em escolher metodicamente que categorias comprar em cada estabelecimento. Por outro lado, a procura de simplicidade na compra não implica simplicidade no consumo. Antes pelo contrário, o consumo dentro do lar está cada vez mais complexo e diversificado, com vários perfis e várias necessidades de consumo a conviverem numa mesma casa. Por exemplo, é frequente hoje em dia termos dietas alimentares diferentes e específicas para cada elemento da família, levando a que entrem atualmente nos lares portugueses cerca de 20 referências adicionais por ano, em média, do que as que entravam em 2017.
A consequência deste fenómeno de diminuição do número de cestas, é que cada ato de compra é hoje muito mais valioso e precioso do que antes. É, por isso, fundamental conseguir maximizar o aproveitamento do cliente quando ele se encontra dentro da loja, levando-o a comprar lá dentro o maior número possível de categorias de que ele precisa, pois a oportunidade de o voltar a ver poderá não se repetir tão cedo.
Por ser uma tendência estrutural, esta mudança no comportamento de compra torna-se fundamental para percebermos as dinâmicas do mercado e as forças e fraquezas de cada modelo de negócio. Não podemos saber com toda a certeza se o mercado de FMCG continuará a beneficiar de volume incremental no próximo ano (face ao período pré-pandémico), mas podemos admitir mais facilmente que continuaremos a assistir a esta procura de eficiência pelo cliente e consequente erosão dos atos de compra. E, neste sentido, é a capacidade que cada retalhista tem em satisfazer, no momento da compra, a preferência específica do seu comprador em cada categoria que vai determinar que o mesmo saia da loja com uma cesta mais diversificada – cumprindo assim o objetivo de ambos.
Todas as decisões tomadas pelas insígnias que visem o crescimento, para além da sua política de expansão, têm de responder a este grande objetivo que é aproveitar o potencial do cliente quando ele se encontra na loja física ou digital, medido pela capacidade em aumentar a penetração por categoria. Para isso contribui tanto a construção da brand equity, como a experiência de compra e, de forma determinante, a adaptação do sortido. E para conseguir essa adaptação de sortido em termos de marcas, variedades e formatos, olhar para grandes tendências globais ou locais de consumo pode não ser suficiente, e muito menos olhar para o comportamento do cliente apenas dentro da própria insígnia. Aquilo que é mais determinante para um retalhista é ter um conhecimento completo do seu cliente e perceber o que fazem os compradores específicos de uma categoria dentro e fora da suas lojas – físicas ou digitais – para conseguir aproximar-se das suas preferências e assim conseguir um maior aproveitamento do ato de compra.
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Marta Santos
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