Os portugueses não se habituam: adaptam-se
O impacto da inflação na vida dos portugueses está espelhado em notícias e manchetes todos os dias. Mesmo sendo um dos setores mais resilientes da economia, o retalho de bens de consumo também está a ser afetado pela carteira mais limitada dos portugueses.
Comprar menos quantidade
Tendo um gasto em cada ato de compra ligeiramente abaixo dos 21,50€, os consumidores tiveram que, no último ano, adaptar os seus hábitos na hora de reabastecer frigoríficos e despensas. A percentagem de portugueses que diz que faz uma lista de compras antes de sair de casa e se cinge a ela no momento das compras aumentou face ao ano anterior – uma clara tentativa de afastarem a tentação do impulso e ao mesmo tempo não ficar a faltar nenhum artigo.
Ainda assim, com o aumento dos preços seria impossível manter o mesmo nível de compra e gastar o mesmo. Os compradores reduziram a quantidade que compram em cada visita à loja, como forma de controlar também o gasto em cada ato de compra e, por consequência, vão mais frequentemente à loja.
Ao analisarmos o número de categorias compradas em cada visita vemos que quase 50% das vezes que um português entra numa loja leva até três categorias para casa (cestas de necessidade imediata). Este peso das ocasiões de compra de necessidade imediata é transversal a todos os tipos de loja: canal online, hipermercados, discounts e, claro, canal tradicional. Longe vão os tempos em que os portugueses faziam compras de carrinho cheio, as chamadas “compras do mês”. Esses carrinhos com mais de 15 categorias valem hoje apenas 7% das ocasiões de compra, com um ticket quatro vezes superior à média, mas não são as cestas que mais valem para o total do mercado. As compras de proximidade (que têm entre 4 a 8 categorias) são as que mais pesam para FMCG, e se as juntarmos com as de necessidade imediata temos que 80% das ocasiões de compra em Portugal têm apenas até 8 categorias. Com a adaptação do comprador à inflação, estas compras não são só as cestas mais importantes, são também as únicas que estão a crescer.
Não foi só no tamanho das cestas que o português cortou. Existe uma tendência de contração de volume comprado em categorias básicas, como por exemplo Frescos e Mercearias, expressando a necessidade que os consumidores sentem em controlar os seus gastos em alimentação. Para além disso, o comprador procura também produtos com o mesmo benefício, mas a um preço mais barato. Têm sido sentidas alterações de consumo dentro, por exemplo, da proteína animal, que passa de peixe para carne e dentro da carne se move para as mais baratas e rentáveis.
Comprar o mais barato
Com um orçamento ainda mais constrangido, o português vê-se forçado a fazer escolhas nas quais já não pensava desde a última crise económica. No entanto, em 2023 o cenário no retalho de bens consumo em Portugal é bastante diferente do que tínhamos na altura.
A marca própria dos retalhistas cresceu significativamente nos últimos 10 anos, sendo um escape para quem procura uma compra mais barata, principalmente em momentos de maior dificuldade. 56% dos portugueses dizem que estas marcas têm tanta qualidade como as marcas de fabricante, mais 4pp do que no ano anterior. Sem sentir a qualidade da sua compra afetada, a subida dos preços ajudou os compradores a acelerarem a tendência de crescimento das marcas da distribuição que pesam quase 42% em FMCG sem Frescos no último ano.
Sabemos que há retalhistas com posicionamentos fortes com a sua marca própria e bastante mais dependentes dela, mas é nos players com menos peso de marca própria que mais se nota o seu crescimento. Pressionados pela procura do comprador, e pela dinâmica de concorrência do mercado, estes retalhistas fizeram uma aposta de desenvolvimento nas suas marcas próprias: com mais sortido, em mais categorias e com preços extremamente competitivos. De forma transversal, há mais portugueses a comprar marcas de distribuição em praticamente todas as insígnias.
Por outro lado, a atividade promocional, o método encontrado pelas marcas de fabricante para fazer face ao crescimento das marcas de distribuição na última crise, não tem sido suficiente para estancar a troca. Os portugueses habituaram-se à forte e constante dinâmica promocional e hoje é percecionada como um elemento expectável ao entrar na loja. Aliás, há menos 12% de portugueses a informar-se das promoções através dos folhetos do que há cinco anos. Depois de entrar na loja o consumidor consulta as ações promocionais em linear e faz a sua decisão de compra entre marcas. A perceção é que, nos últimos 10 anos e com a dependência gerada, a promoção tornou-se “preço” das marcas de fabricante.
Comprar na loja “melhor”
Para além de uma atividade promocional que era residual até 2012, nos últimos anos também se desenvolveu o canal de discount: retalhistas com forte posicionamento de marcas próprias, com estratégia de preços baixos todos os dias. Estes retalhistas foram os que conseguiram desenvolver-se mais no mercado: abriram lojas, conquistaram compradores e maximizaram o gasto do seu comprador em loja.
Cada português visitou no último ano cerca de cinco insígnias para fazer as suas compras, um número que cresceu versus 2019. Os compradores são cada vez menos leais aos retalhistas de forma transversal (com exceção de algumas cadeias de discounts) experimentando e trocando mais procurando o melhor value for money quase categoria a categoria.
Os portugueses não vão a todas as lojas procurar o mesmo. É interessante quando vemos que em lojas com sortidos mais extensos destacam-se como driver de ida à loja categorias como o café e o vinho, em que o comprador sente a necessidade de ter variedade de produtos para escolher. Também os balcões de atendimento de carne e peixe são geradores de tráfego nestas lojas. Já nos retalhistas de sortido curto os compradores vão mais frequentemente em busca da área de padaria e pastelaria, pela diversidade de produto, pela constante reposição e o próprio layout de loja que facilita a escolha do consumidor. Também procuram nestes retalhistas categorias de lácteos e gelados, em que estes têm conseguido oferecer qualidade a preço acessível com as suas marcas próprias.
A inflação é um desafio que veio para ficar no retalho de bens de consumo. Compradores que contraem volume, mudam o que compram em busca do valor mais baixo e não se fidelizam com facilidade a marcas ou retalhistas. Em cada categoria há valor para conquistar para marcas e retalhistas no mercado, e é preciso entender o comportamento do comprador para o conseguir.
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Marta Santos
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