Planeta, perceção e compra
Artigo original publicado na Hipersuper
A sustentabilidade oferece enormes oportunidades de crescimento às marcas, fabricantes e retalhistas de produtos de grande consumo e ignorá-las pode traduzir-se em dificuldades para o seu futuro, uma vez que há sinais de esperança para a recuperação de compras mais sustentáveis.
Segundo o estudo Who Cares? Who Does? que a Kantar realiza de forma global todos os anos, existe um grupo core que representa 27% da população portuguesa, que efetivamente encontrou uma forma de reduzir a pegada ambiental na sua rotina diária. A este grupo de pessoas mais conscientes ambientalmente, demos o nome de Eco-Actives. Este estudo, que conta já com cinco anos de histórico (quatro em Portugal), permite-nos entender a evolução das preocupações e ações em relação ao ambiente nos últimos anos, conectando as atitudes e as ações dos compradores em prol do meio ambiente, com o seu comportamento, através das compras reais registadas pelos lares portugueses.
Renascimento dos Eco-Actives
Em 2023, assistiu-se a um renascimento dos Eco-Actives, após a queda registada em 2022, que foi motivada pela intensidade da preocupação com a guerra na Ucrânia e as subsequentes pressões inflacionistas e outras incertezas. Embora a crise do custo de vida esteja no topo da agenda das pessoas, as alterações climáticas também têm estado muito presentes nos meios de comunicação social, dado os recordes de temperatura, fortes intempéries e outros fenómenos a que assistimos. Esta situação foi consistente na maioria dos mercados, com exceção dos EUA e a recuperação foi especialmente forte na Europa, com destaque para Portugal e Espanha que registaram os maiores crescimentos.
Tendo em conta os últimos cinco anos do estudo, projetamos que o crescimento dos Eco-Actives será contínuo e em 2028 mais de um quarto da população estará empenhada neste tema e a tomar várias ações no seu dia-a-dia, sentindo uma responsabilidade intrínseca de serem mais conscientes em termos ambientais.
Fazendo uma comparação entre o que acontece em 2023 e o que acontecia em 2019, verifica-se que os esforços dos retalhistas e do governo para substituir os sacos de plástico por sacos de tecido/papel para a fruta e os legumes, por exemplo, acabaram por incentivar as pessoas a tomar práticas mais sustentáveis. Portugal está mais desenvolvido em quase todos os hábitos de redução de plástico, face ao que é a realidade global, sendo a única exceção a utilização de sacos de tecido/papel para os frescos, que continua subdesenvolvida face ao que acontece globalmente. Brevemente irá ser implementada uma medida e em conjunto com o que verificámos noutros países, acreditamos que este hábito de redução de plástico rapidamente entrará no quotidiano dos portugueses.
No que toca à escolha de recargas e a evitar garrafas de plástico verifica-se que globalmente não existiram muitas alterações, porém em Portugal a realidade é outra, uma vez que o hábito de embalagens recarregáveis foi a que mais cresceu vs. 2022. O facto de existirem cada vez mais marcas a apostar em formatos recarregáveis, contribui para esta alteração de comportamento.
O aquecimento global continua a ser a principal preocupação para a população mundial, tendo saído ainda mais reforçada a sua liderança em 2023. Isto está relacionado com os recordes de temperaturas altas que se registam ano após ano e que por sua vez está diretamente relacionado com a escassez de água (TOP 2), seguindo-se o desperdício de plástico, poluição de agua e poluição do ar. No caso de Portugal, o TOP 2 de preocupações está totalmente alinhado com o que acontece globalmente, mas o restante ranking acaba por demonstrar outras preocupações mais relacionadas com a água e o desperdício alimentar.
Nos últimos cinco anos, assistimos a uma mudança da opinião sobre quem deve ser o responsável para controlar e limitar os danos ambientais, passando o papel principal dos fabricantes para os governos. No caso de Portugal, atribui-se ainda mais responsabilidade ao governo do que acontece na realidade global.
Pressão para a mudança
Os compradores estão sobre pressão, sendo que 43% das pessoas, a nível mundial, afirma que achou mais difícil agir de forma sustentável, em 2023, por causa de questões sociais ou económicas. Adicionalmente, existe um gap entre a intenção e a ação, no que diz respeito às embalagens. Isto é, 65% das pessoas declararam que tentam comprar embalagens amigas do ambiente, mas apenas 24% consegue regularmente evitar as embalagens de plástico. Assim, existe 37% da população que tem boas intenções, contudo por vários fatores não consegue tomar essas ações no final do dia. O principal obstáculo que as pessoas enfrentam é serem caros, seguido da confusão sobre o que é correto fazer por não ser especialista. No caso de Portugal, a dificuldade em encontrar produtos mais sustentáveis ocupa o segundo lugar, estando o primeiro lugar alinhado com a tendência global.
Já na pressão sob as marcas, é pouco provável que as mudanças sustentáveis, por si só, provoquem uma mudança radical no crescimento das marcas de fabricante em detrimento das marcas de distribuição, mas podem contribuir para criar confiança e significar qualidade e sabor, sendo este fator muito importante num ambiente em que há cada vez mais pessoas a afirmar que as empresas só se preocupam com os lucros. Assim, as marcas devem encarar o investimento na sustentabilidade como um passo para ganhar a confiança dos compradores e justificar o gap de preço face aos produtos com que dividem a prateleira. É fundamental criar uma conexão emocional com o comprador e isso poderá ser feito através de várias ações que não tem de ser exclusivamente ligadas ao plástico.
Por fim, relativamente à pressão sob os retalhistas, quase 2/3 dos nossos inquiridos na Europa afirmaram que as embalagens de marca própria deveriam ser uma prioridade. Curiosamente, a resolução do problema dos resíduos na cadeia de abastecimento ficou em segundo lugar, o que pode ser uma resposta à atual comunicação dos retalhistas sobre esta questão. No caso de Portugal, as prioridades mais desenvolvidas face à realidade europeia são: doar parte das suas vendas a instituições de caridade, expandir a sua gama de alternativas plant-based e tornarem-se neutros em carbono.
Dar prioridade aos atributos sustentáveis
Analisando os atributos sustentáveis relacionados com o plástico, é interessante perceber que a procura por produtos com materiais reciclados nas suas embalagens acaba por estar mais destacado que por exemplo as embalagens 100% recicláveis ou até mesmo as embalagens sem plástico.
Olhando para os dez atributos seguintes, verifica-se que um quinto da população global procura certificações (o que significa que as pessoas querem garantias, uma vez que também sentem que não são especialistas na temática sustentável). Já no fim do ranking vemos a escolha de alternativas à carne, produtos neutros em carbono e produtos totalmente vegan.
As escolhas ambientais variam conforme as faixas etárias, sendo que no topo das preocupações dos jovens, até aos 35 anos, estão produtos com certificações oficiais, empresas que doam parte das suas vendas a instituições de caridade, diversidade na publicidade, alternativas à carne ou aos laticínios, produtos totalmente vegan e produtos neutros. Já na população mais madura, acima do 50 anos, a temática em volta das embalagens, bem-estar animal, ingredientes e empresas de origem local são as escolhas mais desenvolvidas.
A mudança é urgente e não podemos desistir dela
Sabemos que os governos são muito poderosos e mesmo ações pequenas, como a proibição de produtos específicos, têm um efeito halo que torna as pessoas mais conscientes. Mas as marcas juntas através de associações também tem um papel importante e podem contribuir para esta mudança, com campanhas educativas e de incentivo a práticas mais sustentáveis.
A vontade de causar menos impacto por parte dos compradores existe, mas não é o principal fator de escolha encontrando alguns obstáculos pelo caminho. Porém, as marcas devem encarar o investimento na sustentabilidade como um passo para ganhar a confiança dos compradores e justificar o gap de preço face aos produtos com que dividem a prateleira. Criar uma vantagem competitiva através da sustentabilidade, criando uma conexão emocional com o comprador.
Para isso é muito importante explorar estes compradores que mais ações tomam em prol do ambiente, tendo em conta as pressões atuais sobre os compradores poderá ser interessante explorar o seu comportamento segmentando-o por faixa etária em vez da classe social.
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Andreia Carvalho
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