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Refrigerantes com G?s(tos) incertos

23/11/2023

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Refrigerantes com G?s(tos) incertos

Artigo original publicado na Hipersuper

A década atual ou “os novos anos 20", se assim lhes quisermos chamar, destoa completamente da década homónima do século passado. Enquanto a prosperidade no mundo ocidental impulsionou uma exuberante expansão do consumo de bens naquela época, os anos recentes destacam-se pela presença constante da incerteza, comprovando nesta fase ser provavelmente a sua característica mais distintiva.

Mas mesmo em tempos incertos, há coisas que não se alteram, como o facto dos produtos frescos continuarem a ser o grande motor que impulsiona a compra de bens de grande consumo (FMCG). Os portugueses continuam a ir às compras a cada três dias em busca destes alimentos essenciais para as suas rotinas.

Já no que diz respeito às Bebidas, também não surpreenderá continuarmos a ver as Águas Minerais e o Vinho ocuparem as primeiras posições entre as categorias mais compradas. Mas dentro de um universo de produtos tão alargado, se interrogar o leitor sobre qual a categoria que fecha o TOP3 das Bebidas, será a resposta tão fácil de dar? Essa categoria é a de Refrigerantes com Gás. Um produto tão habitual nos lares Portugueses e que, pela sua omnipresença, facilmente perdemos a noção precisa do quão regularmente são compradas e consumidas. Para tornar esse lado da equação mais palpável, os Refrigerantes com Gás entraram nos carrinhos de compras dos portugueses mais de 37 milhões de vezes só no último ano, um valor quase 10% superior ao da categoria que lhes precede, a de Sumos de Fruta. Os Refrigerantes com Gás são comprados por mais de 3 em cada 4 lares portugueses, a uma média de aproximadamente 1 vez por mês por cada um desses lares. Mas esta realidade não pode ser dada como uma certeza imutável.

Basta recuarmos ao período imediatamente anterior ao início da pandemia para percebermos que os Refrigerantes com Gás ainda não faziam parte do TOP3 das Bebidas mais compradas. Os seus sucessos mais recentes demonstram que a variabilidade da sua performance oscila consoante os desafios que vão pairando sobre o mundo atual. No início da pandemia, os compradores deram prioridade à indulgência dentro do lar e escolheram claramente comprar mais Colas, Refrigerantes Lima-Limão com Gás ou Tónicas. No entanto, no pós-pandemia, apesar de todos os segmentos de Refrigerantes com Gás conseguirem manter um nível de compradores superior aos do início de 2020, os portugueses voltaram a reintroduzir progressivamente nas suas compras produtos mais ligados à saúde, com os Sumos 100% Fruta a destacarem-se. O comportamento dos portugueses parecia voltar ao normal.

Mas a década atual tem-nos ensinado que a noção de normalidade já não existe. Ficou no passado e as exigências atuais requerem uma adaptação contínua por parte das marcas e dos retalhistas. Fazer comparações diretas ao período pandémico é ser injusto, mas comparar com o período pré-pandémico é ser irrealista. E para adicionar um novo elemento de incerteza a esta já complexa equação, a inflação em 2022, seguida pelas restrições no budget familiar dos portugueses, resultantes de fatores tão óbvios como o aumento das prestações das casas em 2023, adicionam novos pontos de pressão às escolhas que cada família é obrigada a fazer. Apesar de tudo, dentro dos constrangimentos que daqui resultaram, a nova dinâmica de preços aparenta estar a ser uma lufada de ar fresco para os Refrigerantes com Gás. Apesar de no último ano, os lares portugueses terem pago +7% pela categoria, este é um crescimento modesto quando comparado ao registado nos Refrigerantes sem Gás, Sumos de Fruta ou as Águas Minerais, todos com aumentos superiores a +10%. Contas feitas, a categoria conseguiu começar 2023 estancando as perdas de compradores que se verificavam desde o final do segundo confinamento, e devem-no neste momento à capacidade de recrutamento dos Refrigerantes Lima-Limão com Gás.

Tem-se observado em simultâneo o fenómeno de downtrading na categoria, em que os compradores optam por marcas mais acessíveis em termos de preço, o que tem resultado num aumento da penetração e da quota de mercado das Marcas da Distribuição (MDD) em detrimento das Marcas de Fabricante (MDF). Com menos de metade do preço face às MDF, as MDD conseguem atrair um segmento crescente de compradores, principalmente lares de classe média e reformados, que procuram opções mais económicas, sem comprometer a qualidade.

Neste cenário e tendo em conta que as restrições ao budget familiar dos portugueses não parecem ter fim imediato à vista, não é descabido que as marcas no setor das Bebidas voltem a acautelar um novo cenário de mudança de prioridades por parte dos compradores em relação aos atributos do produto que serão preferidos. Mudanças que voltem a favorecer as opções mais indulgentes, se forem estas as que permitam aos portugueses esticar mais o alcance do seu rendimento mensal. Na verdade, este não é um cenário de todo improvável: se olharmos para o mais recente ranking mundial do Brand Footprint elaborado anualmente pela Kantar, percebemos que a Coca-Cola continua a ser destacadamente a marca mais comprada em todo o Mundo (mais de 7 mil milhões de atos de compra em um ano, e considerando apenas as vendas feitas para dentro dos lares, e não as que ocorrem para consumo fora de casa) - não só em Bebidas, mas no cômputo geral do FMCG! O TOP5 deste ranking é também fechado por uma marca de Refrigerantes com Gás: a Pepsi. Dentro das marcas que mais ganharam compradores a nível Mundial ao longo do último ano, nova marca de Refrigerantes com Gás: desta feita a Sprite!

Neste momento, a garantia que pode ser dada é que o fator “incerteza” irá continuar. Tal como a pandemia que alterou hábitos durante mais de dois anos, também as restrições ao budget das famílias continuarão a ser um tema que não se resolverá numa questão de meses, e os seus efeitos irão continuar a notar-se a médio prazo. No curto prazo, é expectável uma desaceleração progressiva dos aumentos de preço dos Refrigerantes com Gás, embora o regresso aos preços pré 2022 esteja fora de qualquer projeção, algo que continuará a testar, dia após dia, a capacidade que os intervenientes desta categoria têm para se reinventar e lutar pela manutenção da sua relevância no TOP3 das categorias de Bebidas mais escolhidas em Portugal. 

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Eduardo Serra
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