A nova beleza dos portugueses
> Artigo original publicado na Hipersuper
Higiene e beleza com o melhor resultado dos últimos quatro anos
Antes de soar o alarme da pandemia de coronavírus, o setor de higiene e beleza fechou 2019 com mais compradores face ao ano anterior e crescendo tanto em valor (+1,0%) como volume (+0,9%), batendo o recorde em valor dos últimos quatro anos, ao atingir 767 milhões de euros.
Mesmo na entrada no novo ano e com o aumento das restrições, os portugueses não travaram este mercado, tendo continuado a aumentar o gasto (+1,8%) e o volume comprado (+3,7%) no primeiro trimestre de 2020. A presença em loja tinha sido o fator decisivo para o crescimento do mercado de cuidado pessoal (+1,8% / 13,6 dias), com a maioria das categorias a incrementar a rotina de compra em 2019.
Mas inevitavelmente, no primeiro trimestre de 2020 o motor de crescimento de 2019 está em queda, uma vez que os portugueses estão a ir menos vezes às compras de higiene e beleza (menos 1 dia de compra vs mesmo período de 2019). Assim, a maioria das categorias sofrem perdas na rotina de compra, passando o tamanho das cestas a ser o maior driver de crescimento, com um aumento de +2,9% da compra média (uds.) e com a maior parte das categorias a conseguir recrutar compradores.
A necessidade de compra de produtos de prevenção pandémica (ex: desinfetante) contribuiu para este crescimento. Mas verificou-se também neste momento a antecipação da compra numa tentativa de prever necessidades. Estava assim dado o mote para a compra sobretudo de produtos das categorias de higiene pessoal nos cuidados mais básicos como sabonetes, gel de banho, hidratantes, produtos cabelo e produtos para a barba.
A falta de cuidado em higiene e beleza
Contudo, depois de declarado o estado de emergência, o setor de higiene e beleza teve de enfrentar os efeitos do confinamento, perante o encerramento de perfumarias, do canal profissional e outros estabelecimentos.
Toda essa situação levou à mudança das rotinas de higiene e uso de produtos cosméticos, bem como dos padrões de compra. Algumas dessas mudanças serão mantidas a médio prazo e outras serão adaptadas à medida que as restrições de contenção forem liberadas até se atingir o "novo normal".
Os dados Kantar sugerem, por exemplo, que sem acesso a um cabeleireiro, os portugueses tiveram de definir as suas prioridades a cada momento. Tendo por hábito entregar os seus cabelos a cuidados de profissionais, sem salões abertos, as mulheres portuguesas começaram agora a mudar para a coloração em casa, tendo a compra de colorações de cabelo aumentado o gasto nas semanas de confinamento (+1,1 pp do gasto na semana 10 vs a média em 2020). Desenganem-se queles que pensam que a questão dos cuidados profissionais foi exclusiva das mulheres. Mesmo os homens foram afetados por esta falta de acesso aos serviços profissionais, perante uma crescente preocupação destes em cortar e cuidar do cabelo com mais frequência, correram a agendar os primeiros cortes às primeiras aberturas dos barbeiros.
Estar em casa: as descobertas do confinamento
O mercado de produtos de higiene e beleza está a mudar em Portugal e no resto do mundo, com a adaptação dos hábitos e rotinas às mudanças necessárias para um novo estilo de vida que estamos ainda a descobrir, por força do contexto pandémico.
Os cuidados de higiene e particularmente de embelezamento têm uma forte componente social, mas num momento em que o contacto social está reduzido estritamente ao essencial, significará que se irão perder ocasiões de cuidado e higiene pessoal?
A maquilhagem será sem dúvida uma das categorias mais impactadas no imediato, uma vez que o uso de máscara de proteção respiratória oculta grande parte da mesma. Ainda assim, no primeiro trimestre de 2020, a categoria conseguiu atrair compradores (+23%) que procuraram antecipar a sua compra, antes de maiores restrições.
Por outro lado, cuidado pessoal passará a não estar focado na impressão que causamos nos outros e a ser determinante no nosso próprio bem-estar físico e emocional em tempos de isolamento. O que nos dizem as tendências é que estamos a redescobrir formas e tempo para cuidarmos de nós mesmos e recuperar alguns dos rituais de beleza. O cuidado de beleza 'apenas para mim' continuará a expandir-se e a fazer parte das rotinas de cuidados regulares que traduzem bem-estar físico e psicológico.
Em Portugal, o mercado de produtos de limpeza facial tinha vindo a crescer no último ano, conquistando mais de 155 mil compradores e contando atualmente com 42% de penetração. Os portugueses expandiram a sua rotina de limpeza de rosto em 2019, aumentando a frequência de compra, com mais compradores a entrarem na categoria, através das marcas da Mdd Cien e My Label.
Entre outros cuidados, tal como a moda de fazer pão em casa que se tornou viral em todas as redes sociais, também os cuidados de limpeza facial poderão continuar a ser relevante nestes momentos de self care. Uma oportunidade para as marcas de comunicar, acompanhar e guiar o shopper nestes novos rituais de beleza.
Como será o consumo de produtos de higiene e beleza pós Covid-19?
A situação de incerteza causada pelo coronavírus afetou os hábitos e comportamentos de compra dos portugueses e mudou também a sua perspetiva em relação ao futuro com 90% dos inquiridos no Survey Kantar (20 a 29 março 2020) a revelarem um elevado grau de preocupação com o Covid-19, 68% a esperar um impacto negativo com a economia e 20% preocupados com a hipótese de perder o emprego. No caso da China, podemos ver como, após a 'crise', o consumidor espera ansiosamente voltar a comprar e usar mais produtos de beleza e cuidados pessoais.
Mas o que aprendemos com outros cenários de crise anteriores (2009 a 2013)? O expectável será um maior foco no preço pago, com um aumento do foco em promoções, produtos básicos e nas marcas da distribuição. Aliás foi neste período de crise que os portugueses começaram a descobrir as Mdd’s. Passados sete anos, as Mdd’s continuam presentes na vida dos compradores, tendo contribuindo fortemente para o aumento do gasto em higiene e beleza em 2019 (gasto médio +8,6%, +11,3% em t1 2020) incrementando o seu peso no mercado ao longo dos anos (+1pp / 16,0% YTD T1 2020).
A grande diferença é que as Mdd’s mostram-se igualmente preparadas para 2020, tanto quanto os fabricantes e atravessam o seu melhor momento em Portugal. Aliás, comunicam como qualquer marca de fabricante, inovam e desenvolveram largamente o seu portfólio no mercado de cuidado pessoal. A título de exemplo, as Mdd’s contam já com 1 em cada 4 compradores de máscaras de cabelo, tendo sido as recrutadoras mais dinâmicas em 2019 (+1,4% Mdf’s, +21,4% Mdd’s, % ev. compradores).
Além das marcas, também as lojas de mass market democratizaram a sua oferta ao disponibilizarem produtos de categorias habitualmente disponíveis no canal especializado com novos price points. É o caso dos perfumes que levaram mais compradores ao mass market (+15,4%) e a um aumento do gasto online (+48,6%).
A procura por produtos básicos experienciada noutros anos de crise poderá assim estar posta de parte, perante uma oferta tão diversificada e de valor acrescentado com aquela que até mesmo as marcas de distribuição oferecem.
A oportunidade para as marcas poderá estar nos benefícios associados aos produtos de higiene e beleza. Se em anos anteriores víamos um foco cada vez maior em naturalidade, esses benefícios podem agora continuar a ser relevantes, mas a saúde é agora a prioridade.
Online desenvolve, mas será suficiente para manter o saldo positivo?
Perante a situação atual, há sinais positivos que podem contribuir para aliviar parcialmente os efeitos no mercado do confinamento obrigatório. A compra no canal online pode desempenhar um papel relevante a médio prazo para atenuar a inatividade das lojas físicas, perante a reativação gradual e progressiva normalidade do mercado. Em 2019 o online foi mesmo o canal que em mais beneficiou em toda a higiene e beleza crescendo +22,9% em gasto médio e +3,3 pp em penetração.
As novas tecnologias e infraestruturas online estão a mudar o estilo de vida dos portugueses, mais do que as pessoas possam pensar e está a causar um impacto significativo nas suas expectativas dos bens e serviços. Simplificando, suas vidas são cada vez mais impulsionadas pela conveniência e pela obtenção do que desejam, quebrando assim mitos quanto à dificuldade de utilização ou segurança deste canal. De acordo com o Kantar Survey sobre alteração de consumo durante a pandemia, 25% dos lares portugueses planeiam aumentar a compra via internet.
Seja pela a impossibilidade de visitar as lojas ou pela tentativa de minimizar o risco de contágio, a verdade é que os compradores não abdicam dos seus produtos. Este será um importante canal para as marcas e fabricantes, não só para os players que têm uma estrutura preparada para fazer face à procura, mas também para os que sejam ágeis a criar parcerias e a colocar os seus produtos nos diferentes canais e plataformas online.
Com a queda no consumo e o consequente encerramento de lojas, não há dúvida de que a crise do Covid-19 terá também um impacto significativo no setor do cuidado pessoal. Mas é importante não perder a perspetiva sobre qual foi a trajetória de consumo no setor no ano anterior e relembrar que em 2019 a faturação atingiu valores record. Um valor possível de voltar a alcançar, mesmo que demoremos um pouco mais a redescobrir o pote de ouro do outro lado do arco iris.