Como manter quente o prazer do Café?
Artigo original publicado na Grande Consumo
Quando em 2019 começámos a projetar aquilo que seriam os novos anos 20 do século XXI, ainda estava longe da mente da esmagadora maioria imaginar o início tão atribulado e com efeitos tão profundos para o comportamento do consumidor, que a pandemia iria trazer a esta nova década. Algumas mudanças irão moldar em definitivo as rotinas de muitos milhões de pessoas, um pouco por todo o Mundo e algumas delas não se fizeram esperar. Acima de tudo, o que provoca um maior incómodo a quem tem como objetivo gerir um negócio e aportar valor às marcas e à sociedade, é a imprevisibilidade a que estamos cada vez mais sujeitos. Quedas inesperadas em mercados em ascensão ou crescimentos impensáveis em categorias que se encontravam mais estáveis, de tudo um pouco a pandemia trouxe.
No caso dos Cafés, falamos de uma das categorias cuja compra para consumo dentro do lar mais beneficiou com a pandemia. No pico dos dois confinamentos, (Maio 2020 e Fevereiro 2021) a categoria chegou a atingir 50% de crescimento em valor face aos homólogos, dentro dos lares portugueses. Mas, contrariamente ao final do primeiro confinamento, em que a categoria, apesar de ter desacelerado o seu crescimento, se manteve em terreno positivo, no final do segundo confinamento a desaceleração foi maior, tendo trazido consigo os primeiros meses com perdas desde o início da pandemia, que se prolongaram entre Abril e Julho, principalmente associadas ao menor número de compradores durante este período. Os meses de Agosto e Setembro voltaram a trazer mais algum otimismo para Cafés dentro do lar, com a categoria em equilíbrio com o valor que havia gerado em iguais períodos do ano passado.
A diferença entre o ano de 2020 e 2021 prende-se com a reação distinta dos compradores ao final de cada confinamento. Em 2021, o fenómeno de “revenge spending” foi claro e não se ficou apenas pelos bens materiais de maior duração. As experiências e o regresso ao consumo fora de casa também fizeram parte da “vingança” dos portugueses em relação aos meses de confinamento. O consumo de café fora de casa voltou a crescer face aos homólogos pela primeira vez desde o início da pandemia, precisamente no mesmo mês em que se deram as primeiras perdas da categoria dentro do lar. Mas esta recuperação teve todas as características de um consumo por “vingança”, começando por crescer a três dígitos, logo nas primeiras semanas de desconfinamento e mantendo uma performance positiva ao longo de todo o segundo trimestre do ano, mas voltando a registar um forte abrandamento logo à entrada do terceiro trimestre. Por outro lado, esteve totalmente associada à vontade dos consumidores se recompensarem, com incrementos intimamente ligados ao lazer, em Restaurantes, Cafés, Bares ou Quiosques, e menos ligada ao contexto laboral. De facto, o consumo de café no local de trabalho apresentou uma tendência similar à do homólogo até ao final de Setembro de 2021. E se em 2020, as Vending Machines foram um porto de abrigo para a categoria, especialmente no âmbito profissional, permitindo o seu consumo em segurança e muitas vezes sendo mesmo a única opção disponível, este canal passou de ser o menos penalizado na categoria, como aconteceu em 2020, para passar a ser dos que menos beneficiou nos crescimentos de 2021.
Assim, o desafio que se coloca à categoria para os próximos meses, passa por encontrar o equilíbrio entre a recuperação do consumo fora de casa e as suas aliciantes margens fundamentais para a criação de valor e a manutenção da compra efetuada para o lar, responsável por gerar momentos de consumo adicionais para a categoria. Num autêntico exercício de equilibrismo, o lado da balança ligado ao consumo in-home deverá ser o mais complexo de manter. Desde o final do segundo confinamento, todos os segmentos de Café, desde as Cápsulas até aos Solúveis, passando pelo Moído, Grão e Bebidas de Cereais, passaram por períodos com perdas de compradores face a 2020. As Cápsulas continuam a ter um primeiro lugar muito bem seguro na escolha dos portugueses, no entanto, o Café Moído foi claramente menos afetado pelo abandono do shopper do que os restantes segmentos, o que demonstra o poder do ritual do café quando passa a ser incorporado no estilo de vida de cada consumidor. Apesar de menos associado ao fator de conveniência característico das Cápsulas, a premissa de um café preparado de forma mais tradicional e consumido com mais tempo levou a que no último ano o Café Moído tenha conseguido conquistar novos momentos de consumo, especialmente nos momentos de snacking da tarde, historicamente muito fortes para algumas categorias concorrentes, como os Chás e Infusões e que viram as opções de “slow coffee” roubarem-lhes quota de estômago nesta ocasião do dia. E as “vítimas” não se ficaram por aqui: os Iogurtes, as Águas e as Bebidas Alcoólicas também perderam espaço para o Café Moído à hora do lanche e categorias como o Leite, Refrigerantes ou Sumos também não conseguiram acompanhar o seu ritmo de crescimento. Para os próximos meses, fica ainda uma questão em aberto que as marcas deverão acompanhar: o novo ritual dos Cafés Moídos conseguirá ultrapassar o regresso a uma vida mais próxima do normal, com menos tempo passado pelos portugueses dentro do lar, ou este prazer não é compatível com uma vida mais exigente em termos de horários e presença em locais mais diversos?
Outro ponto de extremo interesse a observar de perto, continuará a ser a dinâmica entre Marcas de Fabricante (MDF) e Marcas Próprias (MDD), especialmente relevante em períodos de maior incerteza económica. Olhando neste caso para o segmento mais relevante do mercado, as Cápsulas de Café, desde o final do segundo confinamento até ao mês de Setembro, apenas as MDD se mantiveram sem perdas em cada período face ao conquistado no homólogo. No entanto, nem todas as MDD conseguiram aportar uma performance suficientemente positiva para que o sucesso dos respetivos retalhistas as acompanhasse. Esta dinâmica virá cada vez mais reforçar a importância de cada loja diversificar o seu portfólio de marcas, no sentido de se continuar a manter atrativa à luz das necessidades dos compradores, segurar aquilo que de positivo se pôde colher da pandemia, e minimizar as incertezas por ela causadas.