Euro a euro enchem os portugueses o dep?sito
“A pandemia, a inflação, a guerra” poderia facilmente substituir a célebre frase de Artur Albarran “O drama, o horror, a tragédia…”, mas em vez disso é a realidade que está a mudar a vida dos portugueses. Cada vez com o seu poder de compra mais esmagado, os consumidores têm que fazer mais escolhas na hora de comprar - onde comprar? O que comprar? Que quantidade comprar?
Esta dinâmica é muito real para bens de consumo, mas ganha uma nova proporção quando falamos de combustíveis em Portugal. 73% dos portugueses diz ser difícil ou muito difícil fazer face às despesas com combustíveis, um número bastante acima dos 59% que dizem ter o mesmo grau de dificuldade face às despesas gerais.
O mercado de abastecimento de veículos particulares foi dos que mais sofreu com a pandemia. Perderam-se compradores e abastecimentos, que só começaram a ser recuperados com o fim dos confinamentos. Em abril de 2020 apenas 50% dos portugueses abasteceu o seu carro. Os primeiros sinais de estabilização vieram em maio de 2021, com a recuperação de abastecimentos e compradores, mas rapidamente foram “agitados” por uma dinâmica mais intensa de preço.
Se já estávamos habituados aos frequentes ajustes de preço como reação ao preço do barril de petróleo, com a limitação de acesso a este produto criada pela guerra o preço do petróleo subiu nos mercados internacionais e atingiu preços record na sua venda a cliente final, tornando estas alterações praticamente semanais.
Em novembro, começaram a ser implementadas medidas para proteger o consumidor através do AutoVoucher, mecanismo que foi maximizado em março como reação direta à subida provocada pela guerra. À espera de aprovação europeia para reduzir o IVA, a medida tomada em maio foi a compensação por via do ISP (o imposto sobre produtos petrolíferos). No entanto, não há como fugir à escalada: entre maio de 2021 e o homólogo, o preço do combustível pago por cliente final subiu 26% (21% em gasolina e 31% em gasóleo). Os portugueses foram-se adaptando mensal ou semanalmente a esta realidade. Ainda assim, em maio de 2022, em média, cada português gastou 122€ para abastecer o seu carro, um número record nunca visto nos últimos anos. Aliás, nunca se tinha chegado à marca dos 105€ gastos em abastecimento num só mês até 2022, sendo que este foi o terceiro mês consecutivo em que se quebrou essa barreira.
Atesta hoje que não sabes o preço de amanhã
Com a escalada de preços esperar-se-ia que os portugueses gerissem a sua carteira gastando menos em cada abastecimento, contudo este cenário não se verifica. Os portugueses até aumentam ligeiramente o seu gasto por abastecimento nos últimos 6 meses, diminuindo os litros abastecidos em consequência do aumento de preço.
Na realidade, a maioria dos portugueses continua a atestar os seus carros (considerando abastecimentos acima dos 65€), independentemente da sua classe social. No entanto, existem compradores que deixaram de atestar nos últimos seis meses (apenas 2%), notando-se um reforço nos abastecimentos entre os 35€ e os 65€.
Por outro lado, para quem pensa, olhando para as longas filas de carros, que existe hoje uma maior concentração de abastecimentos ao fim de semana para antecipar as subidas de preço temos que avisar: estão muito enganados. Os portugueses já abasteciam os carros ao fim de semana, quando tinham mais tempo livre e, portanto, esse hábito apenas se mantém. Quando olhamos para a percentagem de volume abastecido ao fim de semana esta encontra-se estável no último ano. Há no entanto um aumento de carros a abastecer ao fim de semana, porquê? Porque existe um aumento da frequência de abastecimento: os mesmos carros vão agora mais vezes às gasolineiras, portanto há de facto um aumento de carros a abastecer ao fim de semana, mas também durante a semana.
Nos últimos seis meses, é possível ver o volume por abastecimento a contrair cerca de 1Lt. Este volume é praticamente compensado pelo aumento da frequência de compra, fazendo com que em total de litros os portugueses estejam quase em linha com os seus abastecimentos mensais pré-pandemia. Mas se os portugueses continuam a atestar, o que leva a esta contração nos litros por abastecimento?
A loucura das promoções chegou aos combustíveis
É notório um reforço nos abastecimentos abaixo de 20€, que têm agora mais 900 mil compradores. Isto porque existe uma maior duplicação destes abastecimentos com aqueles de maior valor, ou seja os mesmos compradores que atestam o carro também fazem abastecimentos abaixo de 20€. Este movimento, embora possa parecer estranho, tem uma explicação direta: promoção e preço.
Com a explosão dos descontos oferecidos pelas gasolineiras em Portugal, não é difícil abastecer com benefício. Sejam as parcerias com retalhistas alimentares (que representaram 27% do volume abastecido em maio), os cartões de fidelidade das próprias gasolineiras, outras lojas ou instituições seja a promoção de fim de semana, e até vouchers ganhos na compra de alguns serviços, abastecer o carro com desconto é cada vez mais fácil! E os portugueses sabem disto.
Portanto, quando o carro entra na reserva e não existe um posto com desconto ou preço mais baixo por perto, há um abastecimento de “sobrevivência” abaixo dos 20€ que permite ganhar tempo para obter o desconto, chegar ao dia da promoção ou estar mais perto do posto de abastecimento low cost.
A questão da proximidade/localização é fundamental para os automobilistas na escolha do local de abastecimento, uma vez que 76% dizem ser este o principal fator que os levou a abastecer em dado posto. O preço do combustível é um fator determinante para a maioria dos portugueses e a existência de um desconto ou cartão de fidelidade surge em terceiro lugar na escolha de um posto de abastecimento. Claro que estes fatores serão mais ou menos determinantes consoante a marca em questão, porque, tal como no retalho alimentar, também nos combustíveis existem as marcas low cost ou mais “promocionadas”.
Na procura pelo preço mais baixo, o velho hábito da zona fronteiriça de abastecer em Espanha também sofreu oscilações. Com a pandemia, deixou de ser possível atravessar a fronteira para comprar combustível. Recuperada a liberdade de movimento, também se recuperou esse hábito mas com menos força. A partir do momento em que o preço da gasolina em Espanha disparou e ficou perto do português a viagem deixou de fazer sentido e esse abastecimento perdeu muita força, mantendo-se até aos dias de hoje.
O aumento do preço dos combustíveis não é uma dinâmica limitada a Portugal e não irá certamente abrandar nos tempos próximos. As gasolineiras continuam a procurar oferecer aos seus compradores o melhor desconto, a melhor parceria, o melhor preço, para atrair compradores e volumes, num mercado com cada vez mais oferta low cost. Como irão os portugueses continuar a reagir e adaptar a sua compra de combustíveis? Só o tempo o dirá, mas esperamos ansiosos e atentos a estas mudanças.
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Marta Santos
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