Fabricantes e Retalhistas: Parceiros ou Rivais?
Crescimento: um desejo e ambição intrinsecamente humanos, que move pessoas e empresas em múltiplas etapas das suas vidas. A pergunta é: como torná-lo real e palpável? Como compatibilizar o crescimento sustentado e de longo prazo, com a gratificação momentânea do curto prazo que trás o alento para continuar? No mundo do FMCG, em 2023, a tendência geral pareceu beneficiar a alavancagem dos efeitos da inflação para trazer a muitos intervenientes da indústria um crescimento em valor, que em cenários de inflação mais controlada, como o que se espera para o decorrer de 2024, serão mais difíceis de concretizar. Todos os intervenientes querem crescer, mas deve este crescimento ser feito pela via da disputa ou através da colaboração? A questão adensou-se ao longo dos últimos anos e alguns players do mercado vão colocar-se na visão dos fabricantes e outros na visão dos retalhistas. Na Kantar estamos sempre do lado dos factos e acreditamos que a fórmula para o sucesso está em colocarmo-nos na visão dos consumidores e colaborar acima de disputar.
A verdade é que o panorama do retalho tem vindo a alterar-se drasticamente na última década, e ainda mais visivelmente nos últimos cinco anos. Durante este período, os retalhistas de Sortido Curto, caracterizados por modelos de negócio que dão primazia à marca da distribuição (MDD), têm vindo ininterruptamente a ganhar espaço no mercado e a apoderar-se de uma importante fatia do valor anteriormente detido pelos retalhistas de Sortido Amplo, mais focados em lojas onde se encontra uma variedade de marcas de fabricante (MDF) bem mais alargada. No entanto, não é possível afirmar que o comprador que passa a comprar nas lojas de Sortido Curto, o faça por completa substituição das lojas de Sortido Amplo, que anteriormente eram a sua única opção. Estamos a falar do mesmo comprador, que hoje em dia reparte as suas compras por um conjunto de lojas muito mais alargado e que obriga as marcas a reverem a forma como distribuem a sua oferta.
Mesmo dentro de ambos os tipos de Sortido (Amplo e Curto), assistimos no primeiro trimestre de 2024, a uma redistribuição de valor, sendo os líderes de cada um destes modelos de negócio ameaçados pelos respetivos concorrentes que lhes estão a conseguir ganhar espaço. Ainda assim, se esse cenário de lojas vencedoras e vencidas parece mais incerto, há algo que que é comum a todas elas: dar mais protagonismo às MDD, que continuam a ampliar a sua quota de mercado em Portugal. No primeiro trimestre do ano, não houve nenhum retalhista que, de forma clara e inequívoca, tenha dado mais prioridade às MDF. Só que, apesar da estratégia parecer ter sentido único, nem todos eles conseguiram recolher os mesmos frutos. Todos os retalhistas podem beneficiar de uma análise mais criteriosa feita categoria a categoria, que lhes permita perceber em quais delas faz mais sentido aumentar ou diminuir a aposta em MDD. Há categorias em que abdicar das MDF, que tradicionalmente aportam margens mais apelativas, é sinónimo de deixar de maximizar o potencial total das vendas.
Com isto em mente, é preciso descobrir caso a caso qual a interdependência que existe entre fabricantes e retalhistas, e como ambos podem colaborar para obter ganhos mútuos, e acima de tudo beneficiar os consumidores.
Fabricantes e retalhistas de Sortido Curto: valerá a pena negociar?
A relação entre estes dois intervenientes do mercado é provavelmente aquela que gera maior fricção no momento da negociação. A primeira pergunta a fazer é se há evidências que demonstrem, sem espaço para dúvidas, que esta é uma relação que deva realmente ser perseguida. E a resposta, felizmente, ofusca essas dúvidas. Ao longo do último ano, ao olharmos para o TOP 40 de fabricantes FMCG em Portugal, vemos que 46% deles ganharam compradores através dos retalhistas de Sortido Curto, enquanto apenas 26% o conseguiram fazer através do Sortido Amplo. Sem os retalhistas de Sortido Curto estes fabricantes teriam em média menos 8% de compradores, menos 7% de frequência de compra, perderiam menos 10% da sua faturação, e transacionariam menos 12% de produto. Que fabricante estará disposto nos dias de hoje a reduzir os seus indicadores em tamanha escala só para evitar negociar com os intervenientes deste canal? Há casos concretos de MDF líderes em variadíssimos setores do FMCG, desde os Chocolates, até ao Açúcar, passando pelos Congelados, em que foi justamente a sua relação com os retalhistas de Sortido Curto que lhes aportou mais crescimento, e em muitos casos “salvando-lhes” o ano.
Mas se é claro que os retalhistas do Sortido Curto podem ser a maior fonte de crescimento para as MDF, será que os retalhistas do Sortido Curto também precisam das MDF para crescer? A beleza da resposta está no sim que ela nos apresenta. Também ao longo do último ano, conseguimos encontrar vários exemplos em setores tão diferentes como, por exemplo, Refrigerantes, Sidras, Bombons, Queijos, Cápsulas de Café ou Shampoos em que os retalhistas de Sortido Curto teriam perdido compradores se dependessem apenas das suas MDD. Mas graças ao envolvimento das MDF nos seus lineares, conseguiram mais do que compensar essas perdas, e ampliar a sua base de compradores. O segredo reside na deteção de oportunidades categoria a categoria; a beleza reside em não se tratar de uma relação enviesada em que umas das partes se vai sobrepor à outra: ambas irão ganhar.
A última questão pendente é de como dar forma a esta relação. Se por um lado é mais fácil colocar MDF num retalhista de Sortido Amplo, que tem mais espaço disponível em linear, no Sortido Curto, a oferta das MDF tem que ser mais cirúrgicas. Numa análise de portfólios conseguimos perceber que os segmentos de produto que mais se destacam nas lojas de Sortido Curto, não são os mais básicos ou previsíveis dentro das suas respetivas categorias. Por exemplo, ao pensarmos em Lavagem da Roupa, imaginamos em primeiro lugar os Detergentes ou os Amaciadores, mas neste tipo de lojas são os Aditivos (roupa delicada, branca/escura, tira-nódoas, etc.) que acabam por se destacar. Isto verifica-se transversalmente a todos os setores do FMCG e mostra que, no Sortido Curto, as MDF devem estar presentes com uma oferta de “especialidades” complementar àquela disponibilizada pelas MDD.
Fabricantes e retalhistas de Sortido Amplo: qual a equação para conquistar o consumidor?
No cenário competitivo do mercado de FMCG, a batalha entre o Sortido Curto e o Sortido Amplo tem sido uma narrativa constante. No entanto, apesar do crescimento do Sortido Curto, o Sortido Amplo ainda detém a maior fatia do mercado, representando 59% do gasto total dos portugueses em FMCG no primeiro trimestre de 2024. O dilema é que este sortido tem perdido espaço nas carteiras dos portugueses devido a uma falta de equilíbrio na oferta. A aposta em MDD dentro do Sortido Amplo não tem gerado os resultados esperados, uma vez que a concorrência do Sortido Curto tem sido mais eficaz em atrair os consumidores.
Essa falta de equilíbrio na oferta resulta numa desvalorização do Sortido Amplo, prejudicando os retalhistas a longo e a curto prazo. A conquista de quota de mercado está intrinsecamente ligada à fidelização e conquista dos consumidores, mas o que tem acontecido é que os clientes do Sortido Amplo estão a visitar e gastar mais nos concorrentes. Diante deste cenário, surge a questão crucial: como conquistar e fidelizar consumidores no Sortido Amplo? A resposta reside na compreensão das necessidades do consumidor. Para isso, basta colocarmo-nos nos sapatos dos consumidores que procuram poupar dinheiro, ganhar tempo e serem incentivados, ou em bom português, procuram o barato, benéfico e bom. Traduzindo para a linguagem FMCG, esta equação requer pensar numa oferta competitiva, eficiente e inovadora.
Começando com o barato, o preço continua a ser um fator determinante nas decisões de compra dos consumidores. No entanto, as estratégias promocionais tradicionais estão a perder eficácia, pois os consumidores já as consideram previsíveis. Para enfrentar este desafio, os retalhistas do Sortido Amplo e as MDF devem colaborar para oferecer uma gama de produtos a preços competitivos em termos de preço e qualidade. Um exemplo prático desta abordagem é a análise da categoria de tabletes de chocolate, onde se identificou uma oportunidade de otimização de preço e promoção. Ao analisar faixas de preço específicas e a sua distribuição de compradores, marcas e Sortido Amplo poderão entender onde há maior potencial de captar shoppers. E assim oferecer uma variedade de opções que possam aumentar a eficácia das suas estratégias preço/promoção, pensar em diferentes marcas para distintos posicionamentos de preço e identificar potenciais novas gamas ou formatos.
Depois de convencer o shopper em relação ao preço, é preciso garantir a presença do produto em loja no momento da compra. Garantir um sortido eficiente hoje é mais difícil do que nunca. Com tantas tipologias de loja, o shopper vai distribuindo visitas aos supermercados até compor todo o seu cabaz. Para garantir um sortido eficiente o primeiro passo é olhar para o consumidor loja a loja. E depois perceber o que é que ele foi comprar à concorrência. Uma análise criteriosa aos padrões de compra dos portugueses pode revelar oportunidades para otimizar a oferta e melhorar a experiência de compra.
A inovação também desempenha um papel crucial na geração de valor para os consumidores. Mesmo noutros setores, como o das tecnologias, é possível ver o consumidor ávido por novos produtos. Em FMCG, os dados da Kantar indicam que os consumidores estão dispostos a pagar mais por produtos que ofereçam benefícios adicionais, como por exemplo saúde e conveniência. Portanto, as marcas de fabricantes aliados aos retalhistas do Sortido Amplo devem trabalhar juntos para entregar produtos inovadores que atendam a essas necessidades e se destaquem no mercado.
Fabricantes e Retalhistas: Parceiros ou Rivais?
A resposta é que a melhor estratégia é fortalecer a trilogia entre consumidores, retalhistas e oferta. A concorrência está mais acirrada do que nunca. Com consumidores cada vez mais fragmentados e um aumento significativo no investimento em MDD, os retalhistas enfrentam desafios para se manterem competitivos. Diversificar a oferta emerge como uma estratégia fundamental para fabricantes e retalhistas, permitindo-lhes adaptar-se às mudanças nas preferências dos consumidores e captar uma fatia maior do mercado.
Um dos principais impulsionadores de sucesso é o Sortido Curto, que oferece benefícios mútuos tanto para fabricantes quanto para retalhistas. Para os fabricantes, representa uma oportunidade de atrair novos compradores e aumentar a regularidade das compras. Para os retalhistas, é uma forma de ultrapassar as limitações das MDD e oferecer uma gama especializada de produtos que atrai os consumidores para suas lojas.
No Sortido Amplo, o foco deve estar na equação do consumidor. É essencial colocar o interesse do cliente no centro das decisões, oferecendo uma oferta competitiva que poupe dinheiro, um sortido eficiente e completo que poupe tempo e investindo em inovação para incentivar os consumidores a comprar. Isso significa conhecer os intervalos de preço onde há mais compradores, oferecer uma variedade de produtos que permita uma compra conveniente numa única loja e desenvolver produtos que atendam às necessidades dos consumidores.
Para enfrentar os desafios do mercado de FMCG em Portugal, é necessário adotar uma abordagem centrada no consumidor, diversificar a oferta e investir em inovação. Aqueles que conseguirem adaptar-se rapidamente às mudanças nas preferências dos consumidores serão os líderes do mercado no futuro.