Impacto do Covid-19 nas rotinas dos portugueses
Quatro semanas depois do primeiro caso de COVID-19 ter sido confirmado em território português o número de casos continua a aumentar e, obrigatoriamente, as rotinas dos portugueses também se moldaram a uma nova realidade. Num questionário realizado às famílias portuguesas pela Kantar Portugal, sobre as suas preocupações e mudanças de hábitos face ao momento atual (a primeira vaga realizada entre os dias 13 e 20 de março), revelou que o grau de preocupação de 81% dos portugueses já era bastante elevado (% de respostas com a classificação de 8 ou mais, numa escala de 0 a 10). Algumas das principais alterações identificadas nas rotinas diárias foram o ato de lavar mais vezes as mãos (83%), a redução do consumo fora de casa (77%) e a menor utilização de transportes públicos (62%).
Porém, analisando também as compras realizadas até ao dia 22 de março, o ritual de compra de produtos de grande consumo tem sofrido significativas e constantes alterações, neste curto espaço de tempo, num movimento de passagem de compradores com rotinas de elevada “consistência” para compradores de reações de “contingência”.
A Kantar agrupa estas súbitas mudanças no padrão de compra em três momentos de reação dos portugueses, que resultaram em três padrões de compra completamente distintos:
Semana de confirmação dos primeiros casos de Covid-19 em território nacional
No dia 2 de março foram confirmados os primeiros casos em Portugal e a resposta dos portugueses não poderia ter sido mais pronta. No dia seguinte, verificou-se a maior afluência às lojas de 2020 (até à data), uma presença de compradores 51% acima da média diária verificada durante este ano, um cenário bastante atípico, sobretudo por se tratar de um dia de semana, deixando bem marcada a sua preocupação face à ameaça do vírus.
Desde o dia 3 de março até ao final dessa semana, apesar de se ter verificado um aumento natural na compra de produtos alimentares, o principal objetivo desta compra foi sobretudo produtos de higienização, tanto para o lar como para cuidado pessoal, que registaram um número de produtos comprados 23% e 22%, respetivamente, acima da média semanal verificada até ao final do mês de fevereiro. No geral, do dia 3 ao dia 8 (domingo) foi registado um aumento no número total de produtos comprados para os lares na ordem dos 19%.
Semana em que o Covid-19 foi declarado como pandemia
Apesar do pico atípico de afluência verificado no dia 3, foi na segunda semana de março que se verificaram as mudanças mais consistentes na compra e que maior impacto tiveram no panorama do FMCG em Portugal, mais precisamente a partir do dia 11 de março, quando o Covid-19 foi declarado pela OMS como pandemia.
Do dia 11 ao dia 14, dia anterior à declaração das restrições no acesso e na afetação dos espaços nos estabelecimentos, verificou-se uma nova “onda” de deslocações às lojas. Neste período, a afluência de compradores esteve 24% acima da média diária de 2020. Com o número de recomendações para a permanência dentro de casa a expandirem-se, os portugueses foram aumentando consideravelmente o tamanho da cesta por compra, sendo que desta vez o alvo principal não foram só os produtos de limpeza, mas também a procura pelo armazenamento alimentar, com um registo do número de produtos comprados 49% e 37%, respetivamente, acima da média “Pré Covid-19” (até ao final do mês de fevereiro). Neste espaço de tempo, a quantidade diária de produtos comprados esteve 45% acima da média anual, representando assim o grande momento de stockagem das famílias portuguesas.
Das restrições ao acesso de estabelecimentos até à declaração do estado de emergência
A partir do dia 15 de março, quando o acesso às lojas foi restringido, ao mesmo nível que a afluência às lojas ia diminuindo consideravelmente, o tamanho das cestas aumentava na mesma proporção, porém nesta altura deixaram de ser batidos recordes de compras e sentia-se o pronúncio da esperada retração, após a intensa procura verificada nas duas semanas anteriores.
Pronúncio esse que foi efetivado a partir do dia 19, o dia seguinte à decretação do estado de emergência em Portugal, a afluência às lojas diminuiu drasticamente para os valores mais baixos de 2020 até à data, tendo mesmo chegado no domingo dia 22, ao nível de compradores mais baixo do ano, 42% abaixo da média diária do ano. Mas com uma grande diferença, o tamanho de cada cesta nesta data atingiu níveis máximos, mas mesmo assim foi inevitável a quebra abrupta das compras de FMCG.
No computo geral, da terceira semana após a confirmação do primeiro caso do vírus, o saldo total de produtos comprados ficou na média, face ao período pré Covid-19, porém numa tendência clara de decrescimento que se poderá agravar nas próximas semanas, até se encontrar um novo equilíbrio no padrão de compra.
O que conseguimos igualmente retirar destas semanas é a “cesta de sobrevivência” dos portugueses, os produtos que foram priorizados neste momento de crise, onde não existiu tempo para um planeamento de compras muito antecipado. Quando comparadas as cestas de compra Pré e Pós Covid-19, dentro da alimentação, as duas primeiras semanas a aquisição de produtos frescos (sobretudo as frutas, as verduras e a carne) foi altamente prioritária. Porém, a menor capacidade de reposição face à procura fez com que nem todos os lares tenham tido o mesmo nível de acesso a estes produtos, resultando que no global destas três semanas a compra de produtos frescos tenha ficado na média face ao período antes da crise. De forma mais consistente surgiu a procura de produtos básicos e de longa duração, destacando-se como principais as leguminosas, sobretudo grão e feijão, farinhas, peixes e legumes em conserva, massa e num segundo plano o arroz, azeite, vinagre, sal, açúcar, bolachas e produtos congelados, desde salgados, a verduras até à carne e peixe. Percebemos também a importância dos produtos básicos e limpeza e higiene, sobretudo luvas domésticas/descartáveis, detergentes para roupa, lixívia e produtos de papel no geral, não só o papel higiénico, mas também lenços, rolos de cozinha e guardanapos. Sabonetes e fraldas foram as grandes prioridades na área da higiene pessoal.
O que acompanhar nas próximas semanas para antecipar futuro a curto-prazo
Perante uma situação de crise súbita, a palavra planeamento provoca em todos os envolvidos um sentimento misto, o da necessidade e o de imprevisibilidade. Existem várias questões a responder e desafios a superar, onde a chave estará em transformar barreiras em oportunidades, sendo a maior delas a oportunidade de oferecer aos portugueses o que eles mais necessitam para se adaptarem a esta nova realidade.
Algumas questões que devemos acompanhar no sector de FMCG serão o novo desenvolvimento do canal online, uma maior procura por proximidade, a evolução das compras de armazenamento e os alimentos “imunitários”:
- Apenas 10% dos portugueses afirma estar a comprar mais online, isto apesar do congestionamento do canal online, estará a sua procura ainda agora a começar a aumentar?
- 18% afirma ter efetivamente abastecido com mais produtos de alimentação, quererá dizer que as cestas volumosas irão continuar?
- 20% afirma ter começado a consumir alimentos/vitaminas para melhorar o sistema imunitário, irá este ser um fator importante na procura nos próximos tempos?
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