Jante fora cá dentro!
Artigo original publicado na Hipersuper
Desde a pandemia, como e onde escolhemos comer fora mudou significativamente. As empresas do setor da restauração tiveram de se adaptar às restrições implementadas pelo governo, mas também às mudanças nas prioridades dos consumidores para manter o ritmo e permanecerem competitivas.
Com todos os esforços para limitar o contacto humano, assistimos a um aumento inegável do número de consumidores que pediram refeições take away e/ou meal delivery nos últimos anos. Recorrendo ao estudo realizado pela Kantar sobre o impacto do meal delivery em 10 países, que combina dados comportamentais do painel contínuo de Out of Home com um questionário a mais de 15.000 pessoas em todo o mundo, apurámos que esta tendência manteve-se em 2022, com 22% das ocasiões do fora de casa a serem em regime de take away e 31% a serem entregues em casa. Não obstante, 47% das ocasiões aconteceram no estabelecimento, bem acima dos 32% registados em 2021, mostrando uma forte recuperação da compra para consumir no local onde os produtos foram comprados.
Esta fome de encontro pessoal e partilha de comida no estabelecimento está a gerar o maior crescimento para a restauração, contudo este crescimento não tem afetado o desenvolvimento da entrega de refeições, uma vez que o meal delivery consegue aumentar o número de ocasiões registadas quando comparamos 2022 vs. o mesmo período de 2021. Tailândia e Brasil lideram este crescimento, já o mercado português segue a mesma tendência, aumentando também o número de ocasiões realizadas através do serviço de encomenda de refeições. No meio da incerteza, existe a certeza de que a indústria da restauração não poderá retomar os níveis de faturação pré-pandemia sem ter em conta as plataformas de meal delivery, que já são três vezes maiores do que eram em 2019.
Quando comparamos o primeiro semestre de 2022 vs. o mesmo período de 2019, verifica-se que existe uma alteração na forma como os consumidores se comportam no setor da restauração, principalmente na frequência. Em 2022 os consumidores realizaram menos visitas fora de casa, mas quando o fazem gastam mais. Este fenómeno deve-se à conjugação de vários fatores diferentes, mas os dois mais importantes são, por um lado, os consumidores estão a priorizar as ocasiões com comidas, que são cinco vezes mais caras do que as ocasiões só com snacks e/ou bebidas e por outro lado, estão a priorizar as ocasiões ao fim de semana que, por sua vez, são duas vezes mais caras que durante a semana.
Para cafés, bares, restaurantes (tanto independentes, como de cadeias organizadas), a transformação no que toca às plataformas parece ter sido passageira, estando agora a regressar aos níveis de consumo no estabelecimento que tinham no pré-pandemia. Já no caso do canal quick service, este passou por um crescimento muito maior em take away e delivery durante a pandemia e em 2022 esta tendência mantém-se, sendo que estes dois tipos de serviço já representam 2/3 da faturação total dos quick service restaurants na Europa.
Esta transformação ajudou o canal a crescer e a ultrapassar momentos mais difíceis para a restauração durante a pandemia, contudo é importante realçar que tem um risco potencial. Existem já cadeias de fast food que estão a incentivar a visita ao estabelecimento com jogos, brinquedos exclusivos ou até através de subscrições para reduzir a dependência dos serviços de encomenda de refeições.
Meal delivery: alternativa a cozinhar
Embora o aumento de pedidos de refeições entregues ao domicílio, em 2020 e 2021, possa ter parecido um aumento repentino devido às restrições da pandemia, o que se verifica é que em 2022, os serviços de entrega de refeições demonstraram que ainda continuam a ser muito procurados e a registar o recrutamento de novos compradores em todo o mundo, em comparação com os níveis de 2020.
As regiões menos dependentes do consumo no estabelecimento como é o caso do Brasil, Tailândia, China ou Coreia do Sul têm registado um crescimento contínuo de penetração, ano após ano, dos serviços de entrega e nem mesmo o levantamento das restrições afetou o crescimento nestes mercados. Por sua vez, nas regiões onde o setor da restauração depende mais do consumo no estabelecimento como, por exemplo, no México ou em alguns países da Europa, o delivery não repetiu o nível de penetração de 2021, à medida que os consumidores estão a regressar aos restaurantes.
Relativamente à frequência com que as pessoas pedem refeições ao domicílio, esta também tem sofrido alterações de forma global. Em zonas do globo em que o meal delivery está mais desenvolvido, como em algumas regiões da Ásia, os consumidores encomendam refeições uma a duas vezes por semana, em média. Já na Europa, esse número cai para uma vez a cada três semanas, em média, o que significa que ainda há muitas oportunidades na região para desenvolver a sua presença, ampliar o seu alcance e conquistar a fidelidade do consumidor.
A conveniência é crucial na decisão de comprar comida para entrega, com 55% dos consumidores a indicar que é o principal motivo pelo qual fazem o pedido. Em contraste, os restantes 45% dos consumidores afirmam que utilizam o serviço de entrega como uma forma de recompensa ou mimo. Estes números demonstram uma clara mudança na mentalidade do consumidor em relação à entrega de refeições, já que em 2020 apenas 41% citaram a conveniência como principal motivo. Portugal é o segundo país com a percentagem mais alta de conveniência, registando 62%.
Em 2022, o principal motivo para os consumidores fazerem pedidos é “quando não estão dispostos a cozinhar” (25%), seguido por “preferem ficar em casa” (15%). As respostas também revelaram que “fazer refeições que não sei cozinhar” ou “não ter os ingredientes necessários” representaram 17% das compras de entrega, sendo que todos registam crescimento em relação a 2021. Isso destaca que, para muitos, os serviços de entrega de refeições estão a ser utilizados para substituir o ato de cozinhar e não pelo benefício inerente. Com este dado em mente, é crucial as marcas identificarem as oportunidades que estão nos serviços de entrega.
E quais são as cozinhas que estão a conquistar as bocas dos consumidores em todo o mundo? Para responder a esta questão é vital observar a popularidade local das diferentes culinárias nas diversas regiões. Em Portugal, Espanha, França e Brasil, verifica-se que pratos ocidentais, incluindo pizzas, massas e hambúrgueres, são particularmente dominantes, ao passo que no Reino Unido e no México existe uma distribuição mais equilibrada de consumidores que escolhem pratos ocidentais e outros alimentos locais. Os países do tipo conveniência dão mais espaço aos pratos locais quando se trata de pedidos de entrega de refeições, explicando o seu hábito semanal.
Takeaways
2023 poderá ser um ano difícil para os portugueses e consequentemente para as marcas, mas acreditamos que ter uma maior leitura do setor da restauração permitirá ser ágil para encontrar oportunidades de crescimento. Nos tempos vindouros, podemos esperar algumas mudanças mais estruturais para o setor, uma vez que existirá muita pressão sobre os compradores nos próximos meses.
À medida que a situação financeira das famílias muda, alguns consumidores terão de fazer escolhas que poderão passar por fazer alguns cortes em despesas extras, onde o consumo fora de casa se inclui. Por exemplo, no Brasil, já podemos assistir a um downtrade das refeições fora de casa, com uma substituição das refeições completas ao almoço por snacks de forma a controlar as despesas. Já na Europa, em França, com o aumento exponencial dos preços assistimos a uma simplificação do menu, em que os consumidores estão com uma menor propensão para comprar mais produtos como a bebida ou a sobremesa, passando apenas a pedir apenas produtos mais básicos dos menus, como sanduíches. A criação de menus mais económicos tem sido a opção para combater esta tendência.
Aliado ao contexto económico, existe também uma grande pressão sobre o setor para aumentar os salários ou enfrentar a perda de pessoal – ambos os fatores são complicados num cenário em que conquistar compradores é mais difícil do que nunca. Estes efeitos serão sentidos principalmente pelos bares e restaurantes independentes, que para além de poderem viver o que foi espelhado acima, terão de resistir face ao crescimento das cadeias organizadas.
Por fim, outra implicação está relacionada com o setor de fast food, onde prevemos que num futuro próximo haverá mais concorrência do que nunca com a entrada de novas cadeias em diversos mercados, mas também a expansão de cadeias já existentes. Assim, prevemos que os gastos dos consumidores no total do canal serão divididos entre mais pontos de venda, por isso entender o comportamento do consumidor será fundamental para manter os índices de fidelidade altos e construir estratégias para atrair novos clientes.
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Andreia Carvalho
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