Navegar sem vento
Mesmo os setores historicamente resilientes, como o FMCG, enfrentam desafios. Recuando aos últimos quatro anos e olhando para a pandemia de COVID-19, desde essa altura, os compradores têm passado por várias adaptações significativas. Desde a redução das visitas às lojas, até às mudanças nos padrões de consumo, a crise sanitária moldou profundamente o comportamento do consumidor. Mais recentemente, a inflação crescente tem desempenhado um papel crucial, movendo o shopper para uma nova forma de comprar. O aumento dos preços tem levado os consumidores a reavaliar as suas escolhas e a adotar estratégias mais conscientes para fazer face aos custos adicionais.
Num cenário desfavorável, onde o vento parece não soprar a favor das velas do FMCG, há algo muito básico que poderia mover o barco: o FMCG crescer com mais população. Se existirem mais bocas para alimentar, o setor cresce. Como a previsão não é de crescimento, o FMCG não terá esta alavanca para encontrar vento. Ao mesmo tempo, o Banco de Portugal ainda prevê para 2024 um aumento de 2.4% da inflação. Assim, com base naquilo que é o passado, aliado aos fatores estabilização da população e inflação, a previsão para 2024 é uma leve recuperação do volume e um crescimento do valor.
Por outro lado, o valor do FMCG tem se movido para as mãos da MDD e dos retalhistas de sortido curto. Esta não é só uma tendência de Portugal. Este canal tem movido o valor do retalho a nível global, sobretudo fomentado pela Europa Ocidental. A expectativa é que esta tendência se mantenha ao longo de 2024, o que significa que este grupo de retalhistas, que representa hoje 24% do gasto em FMCG, aumente a sua quota.
Não existindo um entorno favorável, a obsessão de quem opera em FMCG deverá ser penetração, penetração e penetração. Recrutar consumidores, para alavancar as chances de crescer.
Quais as correntes a aproveitar?
Embora o cenário seja pouco favorável, é possível direcionar as marcas e retalhistas na direção desejada, mesmo sem contar com a ajuda dos ventos. Como? Aproveitando as correntes naturais do mar, navegando por quatro grandes ideias: mais necessidades, mais momentos, mais categorias e mais presença.
Para explorar a primeira ideia, é fundamental conhecer a procura de necessidades dos consumidores na sua alimentação. Por exemplo, categorias como Sobremesas, Bolachas, Achocolatados e Cereais sofrem uma redução no consumo em casa. No entanto, pensando nas necessidades atuais dos consumidores, como a procura por produtos "Free from" (sem glúten, sem lactose, sem açúcar), é possível encontrar oportunidades de crescimento mesmo em categorias aparentemente estáticas. Estas necessidades são apenas alguns exemplos, é fundamental analisar categoria a categoria e encontrar quais as tendências de consumo que geram interesse ao consumidor.
Além disso, é fundamental reconhecer que os padrões de consumo variam dentro e fora de casa. Enquanto que o consumo por impulso domina fora de casa, dentro de casa, o prazer e a conveniência são mais valorizados. Adaptar-se a estas diferentes motivações é essencial para atrair os consumidores em diferentes contextos.
Explorar mais momentos de consumo é a segunda corrente a aproveitar. Por exemplo, Iogurtes e Sobremesas lácteas perdem ocasiões de consumo em casa ao nível dos dois dígitos, principalmente entre as refeições. No entanto, através da inovação e expansão de portefólio dentro da categoria foi possível encontrar crescimento em novos momentos, como almoços e jantares (+ cinco milhões de ocasiões de consumo), revitalizando assim o interesse do consumidor e impulsionando o crescimento.
Tanto as marcas quanto os retalhistas podem encontrar correntes de crescimento, identificando e capitalizando oportunidades de consumo ao longo do dia. Os espaços fora das refeições principais mostram ser os principais desafios para recuperar espaço no consumo dentro de casa, o que implica pensar num portefólio mais sofisticado e menos mainstream.
Quanto à inovação, está é chave para ir mais além. A inovação pode ser realizada de diferentes formas, desde que sempre venha acompanhada de valor acrescentado para o consumidor. Mais valor na categoria, por exemplo, através de um portefólio mais premium. Ou transportar marcas fortes para novos espaços de consumo, através expansão de categorias. Ou sair do atual terreno de jogo e explorar inovação, através das novas necessidades (ex. proteína) de consumo. Há vários exemplos no mercado que mostram como é possível atrair novos consumidores e diferenciar-se da concorrência através da inovação genuína, o que significa uma nova combinação de atributos que não existe no mercado. Pensar nisto, é acrescentar valor ao FMCG e ainda criar uma vantagem competitiva sustentável.
Para entregar tudo isto ao consumidor, é necessário garantir um sortido adequado loja a loja. Hoje em dia, existe um maior mix de lojas, com sortidos curtos e sortidos longos. E o consumidor o que faz é visitar em média cinco lojas por ano, para ir servindo as suas necessidades. Encontrar crescimento, é garantir que na visita que faz àquela loja, o consumidor a converta em compra. É assim, necessário perseguir o consumidor, para ajustar os sortidos nas diferentes tipologias de loja e ganhar eficiência de conversão do shopper.
Enfrentar os desafios do FMCG em 2024 requer uma abordagem estratégica e proativa. Ao compreender as necessidades dos consumidores, explorar novos momentos de consumo, expandir categorias e presença, é possível navegar com sucesso mesmo quando os ventos não estão a favor.