O pre?o incerto em Bolachas
Artigo original publicado na Hipersuper
Os novos anos 20 não poderiam ser mais diferentes do que aqueles que caracterizaram a mesma década no século passado. Se nessa altura a prosperidade no mundo ocidental trouxe uma enorme expansão da compra de bens de consumo, os últimos anos que vivemos contrastam ao apresentarem a constante incerteza como aquilo que melhor os define.
É certo que há determinadas coisas que não mudam mesmo em tempos de incerteza, como o facto de o motor dos bens de grande consumo alimentar (FMCG) continuarem a ser os Frescos, que levam os portugueses às lojas sensivelmente a cada três dias. No que diz respeito à alimentação embalada, também não surpreenderá continuarmos a ver os Iogurtes e o Leite ocuparem as primeiras posições entre as categorias mais compradas. Mas se interrogar o leitor sobre qual a categoria que fecha o TOP3 dos produtos embalados, será a resposta tão fácil de dar? Essa categoria é a de Bolachas, um produto tão habitual na vida dos Portugueses e que pela sua omnipresença, facilmente perdemos ao noção precisa do quão regularmente as compramos e consumimos. Para tornar esse lado da equação mais palpável, as Bolachas entraram nos carrinhos de compras dos portugueses mais de 83 milhões de vezes só no último ano, um valor quase 10% superior ao da categoria que lhes sucede, a de Bebidas Quentes. As Bolachas são compradas por 98% dos lares portugueses, a uma média de aproximadamente duas vezes por mês, por cada lar. A sua presença no TOP3 dos produtos embalados em FMCG não é algo recente, mantendo esta posição há largos anos.
A verdade é que mesmo uma categoria tão consistente como as Bolachas não está imune aos desafios da incerteza que pairam no mundo atual. Nos anos que precederam o início da década, a fórmula do crescimento parecia clara e intocável: criar mais valor através da alavancagem de segmentos associados a alternativas saudáveis, percecionadas pelos compradores como tendo benefícios diferenciadores e pelas quais estavam dispostos a pagar mais. No entanto, em 2020, esta estratégia teve que ser repensada e completamente reformulada. Confinados às suas habitações, os portugueses procuraram produtos indulgentes, como forma de se recompensarem por tudo o que estavam impedidos de fazer fora do lar, pondo de parte os atributos relacionados com a saúde, que até então vinham a procurar. Em 2021, mais conscientes de que o regresso à normalidade poderia ainda estar distante, voltaram a reintroduzir progressivamente nas suas compras as bolachas saudáveis, num ano que ficou marcado pela convivência entre saúde e indulgência nas cestas dos portugueses. Em 2022, os ganhos de quota de mercado em volume voltaram a estar novamente ligados exclusivamente aos segmentos saudáveis. A categoria parecia voltar ao normal.
Mas se há coisa que esta década nos tem ensinado é que o normal já não existe. Ficou no passado e as exigências do presente requerem uma adaptação constante por parte das marcas e dos retalhistas. Comparações diretas ao período pandémico podem parecer injustas, mas comparações ao período pré-pandémico podem ser irrealistas. E para adicionar um novo elemento de incerteza a esta já complexa equação, a inflação em 2022, acelerada pela guerra na Ucrânia, pôs em causa a cadeia de produção de muitas categorias. Bolachas tem sido das mais afetadas, com a alta dependência que naturalmente tem em relação aos cereais – com enormes volumes historicamente provenientes da Ucrânia, ao qual o acesso ficou extremamente condicionado – e com as dificuldades para obtenção de produtos como o óleo de girassol, usado na sua confeção e que obrigaram a substituições por alternativas como o óleo de palma nas receitas, percorrendo o caminho inverso ao que havia sido trilhado nos anos anteriores. No final de contas, quem paga é o preço da categoria, que aumentou quase 10% desde o início de 2022.
Praticamente todos os segmentos de Bolachas têm sofrido com a inflação, mas existe uma enorme variabilidade entre os incrementos verificados entre cada um deles. A estratégia que prevalece até ao momento tem sido a de refletir o incremento dos preços, sobretudo nos segmentos mais baratos, que mesmo com os aumentos mantêm-se mais acessíveis do que os segmentos saudáveis. O segmento Tradicional, como as Maria ou Torradas, sofreu aumentos de preço que ultrapassam os 30% desde o início do ano. O segmento de bolachas de Chocolate sentiu um incremento mais moderado na ordem dos 15%, e o segmento de Saudáveis Doces apenas de 3%. Ainda assim, mesmo considerando esta disparidade de aumentos, as bolachas Tradicionais continuam a ter um preço 3 vezes menor do que as Saudáveis Doces.
Com este cenário e tendo em conta que a vasta maioria dos outros produtos em FMCG também viram o seu preço aumentar, não é descabido que as marcas de Bolachas voltem a acautelar um novo cenário de mudança de prioridades por parte dos portugueses, em relação aos atributos do produto que serão preferidos, num autêntico duelo de escolhas com nova reviravolta – digna de uma final de um mundial – que volte a favorecer as opções mais básicas ou indulgentes, que pareciam estar fora de jogo nos últimos meses.
Se estes volte-faces constantes ao nível dos segmentos da categoria não forem alerta suficiente, o que dizer então sobre a sucessiva alteração de comportamento dos portugueses em relação às marcas de Bolachas mais procuradas? Comparando com 2019, em 2020 as Marcas da Distribuição (MDD) foram mais compradas pelos portugueses, mas em 2021 as Marcas de Fabricante voltaram a ganhar terreno, apenas para voltarem novamente a perdê-lo para as MDD em 2022. Um cenário em constante transformação!
Neste momento, a garantia que pode ser dada para 2023 é que a montanha-russa da incerteza irá continuar. Tal como a pandemia que alterou hábitos durante mais de dois anos, também a inflação será um tema que não se resolverá numa questão de meses e os seus efeitos irão continuar a notar-se a médio prazo. No curto prazo, são expectáveis novos aumentos de preço nas Bolachas já no início do novo ano, que continuarão a testar, dia após dia, a capacidade dos intervenientes deste mercado se reinventarem e lutarem pela manutenção da sua relevância no TOP3 das categorias embaladas mais escolhidas em FMCG.